domingo, 9 de janeiro de 2011

Da nossa história…(12)

NUVENS NEGRAS NO HORIZONTE ESCOTEIRO (apoiada na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro)

E não só no horizonte escoteiro, mas sobre a Europa e sobre o mundo. Em 1933 Hitler subira ao poder na Alemanha e transformou completamente o clima político da Europa e os acontecimentos políticos tiveram imediato reflexo no desenvolvimento do Escotismo.

O movimento iniciado por Baden-Powell em 1907, na Inglaterra, espalhara-se rapidamente a todo o mundo, conquistando a juventude, sem que isso fizesse parte de um plano. O Escotismo é uma obra de educação, que forma a personalidade do rapaz, cultiva o espírito de serviço, a liberdade do indivíduo e, através do sistema de patrulhas, treina o espírito democrático.

Hitler não podia gostar de um movimento de juventude, aceite em todo o mundo, que cultivava a paz e fomentava a amizade entre os jovens de todas as raças e nacionali-dades.

O Escotismo foi, portanto, banido e ferozmente perseguido na Alemanha. O mesmo sucedeu na Itália e, mais tarde, na Espanha. Em sua substituição foram criadas organizações políticas que preconizavam a preparação militar dos jovens, aproveitando do Escotismo o seu processo mobilizador e tudo que era exterior para aliciar os mais novos, mas negando a doutrina e os ideais escoteiros, substituídos por slogans nacionalistas que visavam a alienação às ideias massificadoras, ao culto do racismo e do ódio às minorias étnicas.

Este clima político teria forçosamente de exercer influência em Portugal e o regímen que se vivia entre nós não tardou a identificar-se com os regimes totalitários da Alemanha e Itália.

Depressa a imprensa se fez eco de inflamada propaganda “patriótica” para a fundação da Mocidade Portuguesa e as adesões choveram, numa corrida oportunista às benesses que se anunciavam.

O Escotismo incomodava, pela seriedade do seu método, espírito de serviço e culto da fraternidade. E aqui começaram os ataques, com a grande acusação de que o Escotismo era internacionalista, em oposição ao nacionalismo fanático das organizações emergentes.

Cansaram-se os dirigentes escotistas a explicar que o nosso internacionalismo não prejudicava o nosso patriotismo, que a amizade para com os escoteiros de outros países e o respeito para com as outras pátrias não diminuía o amor para com a nossa pátria. Tudo inútil.

Passou-se então a viver um período difícil, até porque alguns dos nossos dirigentes se deixaram seduzir pelos importantes postos que lhes eram oferecidos nas duas novas organizações pré-militar (Mocidade Portuguesa) e paramilitar (Legião Portuguesa), ganhando as boas graças de Carneiro Pacheco, o intolerante ministro da Instrução Pública, o dinamizador daquelas organizações do Estado Novo. Aqueles que resistiam eram pressionados e ameaçados, especialmente os que ocupavam lugares no funcionalismo público.

Carneiro Pacheco estava empenhado na iniciativa e tinha de a promover, mas era difícil dar-lhe forma sem partir de algo que já existisse.

Pressão sobre os dirigentes escotistas
Entre os elementos mais activos da AEP, nessa altura, contavam-se dois dirigentes que eram funcionários públicos, Antero Nobre e Rui Santos, o primeiro secretário- geral e o segundo chefe do Núcleo de Lisboa. O ministro resolveu agir e mandou o seu motorista com recado ao Instituto Nacional de Estatística para Antero Nobre: “o senhor ministro pede o favor de chegar lá”. Antero Nobre, surpreendido, pediu licença e dirigiu-se no carro do ministro ao seu gabinete. Na antecâmara, encontrou Rui Santos, igualmente chamado, que logo lhe disse que não sabia ao que ia.
Foi Antero Nobre o primeiro a ser recebido. “o senhor é o secretário-geral da Associação dos Escoteiros de Portugal?” Em face da resposta afirmativa, continuou: “Como sabe, está a organizar-se a Mocidade Portuguesa. Desejava que o senhor viesse trabalhar para a organização, porque o senhor terá na M.P. um posto de general. Trata-se de uma organização nacional e patriótica”.

Antero Nobre reconheceu o interesse da nova organização, mas terá replicado “que não precisaria do lugar de general, bastaria ser soldado. Mas que era secretário-geral da Associação dos Escoteiros de Portugal, era escoteiro, portanto, só poderia aceitar um posto de soldado se daí não resultasse prejuízo das funções que ali exercia…”.

O ministro foi peremptório: “ Isso é que não pode ser. O senhor tem que deixar a Associação e vem para cá…”.

Antero Nobre, com dignidade, manteve a sua firmeza e o ministro despediu-o, desagradado, convidando-o a deixar nota da sua residência.

Rui Santos seria depois recebido e certamente submetido às mesmas pressões, desconhecendo-se qual a atitude que então tomou, sendo certo que continuou como dirigente da AEP, mas a ser frequentemente solicitado pelo gabinete do ministro, conhecendo-se mais tarde a sua ligação à Mocidade Portuguesa.

Entretanto, foi projectada para 14 de Agosto de 1936 uma romagem nacional para comemorar o aniversário da batalha de Aljubarrota. Os Escoteiros de Portugal resolveram participar, dado o carácter patriótico da iniciativa, procurando fazer deslocar à Batalha escoteiros de todo o país. Diversas empresas puseram os seus carros e camionetas à disposição para o transporte dos rapazes, e empresas distribuidoras de gasolina ofereceram combustível para a deslocação. Estava, por isso, garantida uma boa participação.

Porém… O “Escotismo”, que se publicava nessa época, contava assim o facto: “Devia a romagem seguir para Aljubarrota num comboio automóvel composto por camionetas cedidas pelo comércio e indústria, mas a vinte e quatro horas da partida, quando tudo já estava organizado, surge inesperadamente a comunicação dos serviços de trânsito proibindo a circulação das camionetas de carga. O ESCOTEIRO SORRI E ASSOBIA NOS MOMENTOS DIFICEIS, o comando composto por velhos escoteiros reúne, estuda as possibilidades e, assim, o contingente segue dividido em duas colunas, uma com sete camionetas, sob o comando de Franklin de Oliveira, com cerca de 150 escoteiros e dirigentes, e outra em cami-nho de ferro, sob o comando de Rui Santos, com 250 esco-teiros e dirigentes”.O primeiro contingente pernoitou, em acampamento, no Parque Municipal de Alcobaça, seguindo manhã cedo para S. Jorge.

Aqui, formou-se o desfile com as diversas organizações, em que os escoteiros se incorporaram. O Governo estava completo, instalados num palanque, e os ministros levantaram-se a receber a saudação dos escoteiros, à excepção de Carneiro Pacheco.
O desfile seguiu até à Batalha.

O segundo contingente não conseguiu chegar a tempo de participar no desfile, pelo que se reuniu ali, junto ao Mosteiro. Com a delegação do CNE, também presente, concentraram-se na Batalha mais de 500 escoteiros, incluindo dois dirigentes e um escoteiro vindos do Porto, uma vez que só a partir de Lisboa fora possível organizar o contingente da AEP.

A presença do contingente dos Escoteiros de Portugal foi um êxito, que não foi agradável para aqueles que viam o Escotismo com antipatia e intolerância. E os nossos dirigentes tiveram de fazer um enorme esforço para prudentemente conterem os Caminheiros de responderem às provocações dos elementos do contingente da MP, idos do Norte, com as tais braçadeiras que os identificavam.

O capitão Afonso dos Santos, presidente da Comissão Executiva da AEP, em artigo de fundo no “Escotismo” de Dezembro de 1936, procurou, com demasiada benevolência, cativar as boas graças da MP, mas a tentativa foi inútil. A perseguição estava aberta.

Chegou depois uma proposta de integração dos Escoteiros de Portugal na Mocidade Portuguesa, trazida por Rui Santos. Numa reunião de escoteiros-chefes, realizada na Sede Central, a posição foi corajosa, intransigente e de grande aprumo moral. A proposta foi recusada.

Começa a perseguição aos grupos da A.E.P.
Passou algum tempo e Antero Nobre recebeu um telefonema de pessoa amiga que o prevenia de que se preparava um golpe para acusar determinados grupos de escoteiros de Lisboa de actuação de natureza política. Depois de muito instado, o informador revelou que a acusação vinha da própria polícia e, logo procurou saber quais eram os grupos visados, para se poderem tomar as necessárias providências. Um deles era o Grupo 7, do chefe José Rodrigues, figura ímpar de escoteiro exemplar, cuja sede era nessa altura na Rua Luciano Cordeiro. Antero Nobre era vizinho do SETE, que visitava assiduamente e sabia que nesse gru-po era impossível, parecendo-lhe que se procurava um pretexto para qualquer acção.

Algumas semanas mais tarde, o mesmo amigo voltou a avisar que estaria eminente uma intervenção da Polícia, em certos grupos, comentando: “a coisa está a tomar um certo vulto e posso acrescentar que o senhor ministro procura um pretexto para fechar os grupos”.

Antero Nobre chegou à conclusão que era preciso contactar a própria Polícia e conseguiu uma apresentação para o Inspector Superior da Polícia de Informação (anterior à PIDE), capitão José Catela, a quem deu garantias de que as acusações feitas aos grupos de escoteiros eram falsas. A Comissão Executiva da Associação era presidida pelo capitão Afonso dos Santos, chefe do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, que era o próprio professor Salazar, e todos os membros daquela Comissão eram pessoas sem ligações políticas. O director da Polícia, em face das declarações de Antero Nobre e com a confiança que lhe era dada pela apresentação, acabou por confidenciar “que era uma mania do senhor ministro. O que ele quer é fechar-vos os grupos. Precisa de um pretexto”. Ficou a promessa de que a AEP seria avisada se alguma coisa acontecesse que pudesse dar o pretexto que o ministro procurava.

Algum tempo depois, cumprindo o prometido, é o próprio capitão Catela que, numa sexta-feira, procura com urgência falar com Antero Nobre, então em Mafra a fazer o Curso de Oficiais Milicianos, para lhe dizer: “olhe que há ordem do ministro para na segunda-feira ir fechar e selar as por-tas das sedes dos grupos de escoteiros. Mexa-se! Mexa-se!”.

Conseguida uma licença do comando para se ausentar, de imediato Antero Nobre veio para Lisboa e, sem se lembrar do capitão Afonso dos Santos, presidente da Comissão Executiva, foi à Companhia dos Telefones expor o problema ao coronel Pope, sobrinho de Baden-Powell e grande amigo dos Escoteiros de Portugal, a quem afirmou “que o tinha procurado em primeiro lugar porque ele poderia tratar do assunto por vias que não eram acessíveis a outras pessoas”. O coronel compreendeu a gravidade do problema e prometeu que se ia empenhar no assunto.

Antero Nobre correu de seguida a informar o capitão Afonso dos Santos, inteirando-o do aviso que lhe chegara, da mesma fonte que antes contactara, e das diligências que já havia feito.

As diligências do coronel Pope deram o resultado previsto. Nesse mesmo sábado, o embaixador de Inglaterra fazia saber ao ministro da Educação Nacional que o governo de Sua Majestade veria com desagrado qualquer acção contra o movimento escoteiro português. Por outro lado, teria havido também diligências do capitão Afonso dos Santos. Resultado: o chefe do governo mandava suspender qualquer acção contra os grupos de escoteiros.

Quando Antero Nobre voltou a entrar em contacto com a Polícia, foi-lhe confirmado que sim, que estava suspensa a ordem.

Acampamento Regional de Benfica
Apesar de todas as dificuldades, de 31 de Agosto a 9 de Setembro de 1938, realizou-se um acampamento regional, que teve lugar na Quinta da Fonte, em Benfica. Foi uma actividade organizada pelo comissário geral, Franklin Oliveira, que lhe imprimiu um forte cunho técnico, bem ao gosto da rapaziada que viveu entusiasmada aquele evento, que veio a ficar conhecido como o «acampamento da quinta da formiga», pela quantidade de formigas que ali encontraram.

Estiveram presentes centenas de escoteiros de todo o País e os fogos de conselho constituíram excelentes momentos escotista.

Pelo número de escoteiros presentes, que vieram dos mais diferentes pontos do País, pela qualidade do programa e do trabalho realizado pelos presentes, também pelo seu significado em época tão difícil, foi esta actividade, mais tarde, classificada como Acampamento Nacional.

Conferência de Dirigentes
Durante o decorrer do acampamento de Benfica, decorreu uma Conferência Nacional de Dirigentes. Um tanto improvisada, devido à crise que se vivia na Associação e realizada com simplicidade numa tenda, esta Conferência serviu para eleger novos corpos directivos da AEP.

Para presidente da Associação, o dr. Francisco Cortez Pinto, um grande amigo da AEP; para presidente da Comissão Executiva, o dr. Alfredo Tovar de Lemos, um nome prestigioso do Escotismo. Para comissário-geral foi nomeado Franklin de Oliveira, um dirigente conhecedor do Escotismo, um verdadeiro técnico, mas a quem alguns punham certas reservas, devido ao seu temperamento e comportamentos anteriores.

A situação dos Escoteiros de Portugal era difícil. Muitos dirigentes se tinham ausentado. Alguns mesmo aderiram à Mocidade Portuguesa, em busca de prestígio, de dinheiro ou facilidades. Outros, por serem funcionários públicos, não tiveram outra opção.

Ficaram os corajosos, os autênticos escoteiros. O dr. Alfredo Tovar de Lemos tinha a confiança destes e confiava neles. O dr. Cortez Pinto era respeitado por todos.

O Escotismo continuaria!....

2 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado por colocar aqui a história do movimento Escotista em Portugal, vamos acompanhar este blog da FAEP com muito interesse.
Saudações Escotistas,
Grupo 6 AEP - Olhão

carlos disse...

Um agradecimento muito especial a quem procura dignificar a História da AEP.
Cordiais saudações escotistas e um profundo Obrigado de um escoteiro do Grupo 11