quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Da nossa história... (17)

OS NOVOS VENTOS PARA O ESCOTISMO(apoiado na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro e jornal escotista “Sempre Pronto “)

A eleição do comandante Henrique Tenreiro para Presidente da AEP, durante a Conferência de Dirigentes realizada em Dezembro de 1952, veio por termo aos desentendimentos que dividiam os dirigentes associativos e chefes de grupos desde que o eng.º Jorge Jardim anunciara a sua resignação naquele cargo.

Posse do novo Presidente da AEP

A tomada de posse do novo Presidente teve lugar em 19 de Fevereiro de 1953, num acto extraordinariamente concorrido, a que presidiu o Presidente cessante, eng.º Jorge Jardim, acompanhado do dr. Alfredo Tovar de Lemos, presidente da FAEP, dr. Francisco Cortês Pinto, presidente do Tribunal de Honra da AEP e dr. Manuel Alambre dos Santos, representante da Mocidade Portuguesa. Afirmando a sua condição de escoteiro (enquanto criança fez parte dos “escoteiros de Lisboa”) e a sua enorme simpatia pelo Escotismo, H. Tenreiro declarou na oportunidade: “a minha única norma é a absoluta lealdade, colaboração e amizade”.
Porém, ainda que a sua eleição tenha sido votada por unanimidade, não era de todo agradável para alguns chefes de grupo o facto do novo presidente ter uma tão evidente actividade política ao serviço do Estado Novo. Mas diga-se, em abono da verdade, que Henrique Tenreiro quase sempre manteve uma clara distinção entre essa actividade e a sua Presidência da associação escotista, mesmo quando alguns dos seus mais directos colaboradores tomaram atitudes equívocas.

Posse da nova Direcção associativa

Em 7 de Março, na presença do Presidente do Tribunal de Honra, Henrique Tenreiro deu posse à sua direcção, que ficou assim constituída: Escoteiro Chefe Geral, Comodoro Daniel Duarte Silva; Secretário-Geral, tenente Domingos Diogo Afonso; Tesoureiro, Júlio Rocha Borges; Vogais: Manuel Dias de Almeida e Alberto Garcia de Almeida. Para o cargo de Secretário das Relações Internacionais foi escolhido o eng.º Manuel Lopes Peixoto.
Foi ainda designada uma COMISSÃO TÉCNICA formada por: Franklim de Oliveira, Joaquim Amâncio Salgueiro Jr., João Clímaco do Nascimento, eng.º José Maria Nobre Santos, João Madeira Leitão, Henrique Alves de Nobre Santos, João Azevedo e João Magalhães Ferraz, todos nomes já conhecidos nos meios escotistas.

A nova Sede dos Escoteiros de Portugal
Em 23 de Abril do mesmo ano a AEP muda a sua Sede Central para instalações conseguidas, a título provisório, no Cais do Sodré, local excelente mas demasiado exíguo para o fim em vista, a não ser que desde logo se tenha pensado em que um gabinete para a direcção e uma sala para reunir os dirigentes seria espaço suficiente para a Sede nacional.
A inauguração foi assinalada com um acto solene, marcando alegremente o “Dia do Escoteiro”. Durante a cerimónia, a que assistiram (de pé) os chefes dos grupos de Lisboa e alguns convidados, Henrique Tenreiro ofereceu à AEP uma nova bandeira nacional. O estandarte da associação e uma bandeira de S. Jorge foram igualmente oferecidos, respectivamente, por Franklin de Oliveira e Amâncio Salgueiro. O Presidente da AEP colocou no estandarte associativo as insígnias de Cavaleiro da Ordem de Benemerência e de Mérito da Cruz Vermelha Portuguesa, oportunamente conferidas à AEP.

Falta de desenvolvimento e dinamização
Dadas as circunstâncias, a actividade associativa não conheceu grande desenvolvimento, nem a dinamização dos grupos se fez sentir como desejado, apesar de alguns esforços por parte da direcção. O Escoteiro Chefe Geral acompanhado de outros elementos directivos visitou, durante o mês de Junho, os grupos da Capital, informando-se com interesse da sua situação, das condições de trabalho e de instalação, provocando certo entusiasmo em alguns grupos.
Por seu lado, o jornal “Sempre Pronto”, em crítica subliminar ao pouco trabalho que se estava desenvolvendo na AEP, avança em artigo de Eduardo Ribeiro, publicado no seu número de Setembro de 1953, a oportunidade de uma homenagem pública aos fundadores da Associação, integrada nas comemorações do 40º aniversário e “o regresso aos princípios que norteiam o Escotismo e às directrizes de B.P…”.
Também a criteriosa exposição ao Presidente, apresentada pelo Chefe do Grupo n.º 13, instalado na Sociedade de Geografia, considerando “que a superior finalidade da AEP impõe uma revisão do seu plano de trabalho para melhoria do seu nível cultural e consequente prestígio..." continha propostas objectivas sem qualquer efeito, que vieram a ser conhecidas pela publicação integral daquele documento no “Sempre Pronto” de Outubro e Novembro de 1953.

O 40º aniversário da AEP
Porém, as comemorações do 40º aniversário da AEP, não atenderam a tais sugestões e até ficaram bem longe da resolução que havia sido aprovada na Conferência de Dirigentes de Dezembro de 1952: “Que se realize em 1953 um Acampamento Nacional e uma Semana do Escoteiro, em comemoração do 40º aniversário da AEP…”, limitadas a uma Sessão solene, ainda que com algum brilho e discursos prometedores de bons tempos para o futuro, que não chegaram a entusiasmar grande número dos chefes dos grupos.
Mas a orientação do com.te Henrique Tenreiro nunca foi posta em causa, mantendo-se na Presidência da AEP por mais de vinte anos (até Abril de 1974). Porém, a verdade é que nunca a sua importância nacional trouxe evidentes benefícios para os Escoteiros de Portugal e nunca se desfez em alguns dirigentes o mal-estar que sentiam em público quando tinham de se identificar como seus subordinados.

Os novos ventos para o Escotismo em Portugal
É neste período, que começa a notar-se um forte investimento da Igreja Católica na sua associação escutista, através da proliferação de Agrupamentos junto das paróquias, ganhando visibilidade pública com as acções desenvolvidas pelos escutas.
A ausência de um sólido programa de acção da AEP e a debilidade das chefias central e regionais, não proporcionou a resposta associativa que seria de esperar, juntando ao bom trabalho desenvolvido pelo escotismo católico, necessariamente limitado pelo proselitismo das suas acções, actividades características do seu Método, dando ao Movimento escotista português a universalidade dos seus princípios interétnicos e interconfessionais. Bem pelo contrário, viveu-se um período de alheamento e cedências perante os vanguardismos ditados pelo peso social da associação congénere, de que pode servir de mero exemplo a confusão lançada à volta dos vocábulos escoteiro e escotismo, onde os nossos dirigentes evidenciaram a sua fraqueza, ignorância e desinteresse.

A existência de movimentos de pressão
Entretanto, era evidente a existência, desde os finais dos anos quarenta, de alguns movimentos de pressão, corporizados no aparecimento do jornal “Sempre Pronto”, em Janeiro de 1945 e da Fraternal dos Antigos Escoteiros, em Março de 1950. Também a melhor atenção dispensada ao Escotismo nos meios evangélicos, a partir do II Congresso da Juventude Evangélica Portuguesa (Maio de 1951), no qual foi apresentada a tese “O valor do Escotismo na educação da adolescência”, da autoria de Eduardo Ribeiro.

Tais movimentos, a que sempre encontramos ligada a figura prestigiada do antigo dirigente escotista Eduardo Ribeiro, apoiado pela acção organizativa do Grupo n. 94 e do seu Chefe Capitolino Macedo, vão evoluindo positivamente através da inauguração do Grupo n.º 10, em 27 de Abril de 1952, anexo à Igreja Evangélica Presbiteriana de Lisboa; a reabertura, em 1 de Junho, do Grupo n.º 78, anexo à Igreja Evangélica Figueirense, na Figueira da Foz; a criação do Grupo “Rainha D. Leonor” das Guias de Portugal, em 3 de Maio de 1953; a instalação da Comissão Organizadora da União Evangélica de Escoteiros de Portugal, que não terá chegado a concretizar a sua existência, dando, porém lugar à criação de um Secretariado dos Grupos Evangélicos, que teve uma acção de certo relevo em alguns episódios daquela era escotista.
A acrescentar, ainda que mais tarde, a criação dos grupos n.º 8 Febo Moniz, n.º 14 Algés e 2ª companhia de Guias.

O 2º Acampamento Internacional de Patrulhas, em S.Paulo - Brasil

Após os factos que vem sendo narrados, não será difícil reconhecer que todo o esforço da direcção associativa se concentrou no contingente que viria a participar no 2º Acampamento Internacional de Patrulhas que viria a decorrer em Julho de 1954 em S. Paulo, Brasil. Já havíamos estado presentes, com duas patrulhas, em Gillwel Park, quando da realização do evento anterior, graças ao empenhamento do então Presidente eng.º Jorge Jardim, mas esta segunda edição foi rodeada de cuidados especiais, que transformaram o nosso contingente numa verdadeira embaixada do escotismo português a terras brasileiras, onde existia uma relação bem fraternal em numerosos dirigentes escotistas do país irmão, que dispensaram aos nossos escoteiros provas de grande carinho.
Quem conheceu Albano da Silva, então escoteiro-chefe geral adjunto, sabia perfeitamente que ao ser nomeado responsável pelo contingente português tudo teria que correr de forma perfeita, mas fica-nos a admiração pela forma como tudo foi preparado, incluindo o treino dos escoteiros, que para o efeito participaram num acampamento de cinco dias, dirigido pelo chefe Francisco Pina, e pelo empenho do “Sempre Pronto” no acompanhamento que fez daquela actividade, cujo relato preencheu várias páginas, durante dois ou três números.
Provavelmente, tal actividade mereceu aquele empenhamento, até porque dela ficou uma boa recordação e um espólio histórico que veio a alimentar actividades posteriores.

O 10º aniversário do jornal “Sempre Pronto”
O jornal escotista tinha atingido o auge da sua popularidade e prestígio. Órgão de ligação dos antigos escoteiros ele era também o aglutinador de todo o movimento associativo da AEP. O dinamismo do seu director, Eduardo Ribeiro, tornando-o presente a todos os níveis nas acções associativas e a qualidade dos colaboradores que nele depositavam os seus pensamentos e comentários, deram-lhe o prestígio de um jornal adulto e respeitado por todos, mesmo aqueles que não concordavam com alguns dos seus conteúdos.
Por isso, não surpreende o êxito alcançado nas comemorações do seu 10º aniversário, com uma Sessão Solene realizada no dia 3 de Janeiro de 1955, no Salão Nobre do Ateneu Comercial de Lisboa, à qual assistiu uma deputação de antigos escoteiros espanhóis que se deslocaram a Lisboa propositadamente para o efeito. A Sessão foi presidida pelo com.te Henrique Tenreiro, ladeado pelo Comodoro Duarte Silva, Escoteiro Chefe Geral, Augusto Romão, director do Ateneu Comercial de Lisboa, Henrique Genovés, chefe da delegação espanhola e colaborador do S.P. e Eduardo Ribeiro, director do jornal. Entre a numerosa assistência, membros da direcção da AEP, muitos dirigentes escotistas e escoteiros de diversos grupos da Capital, antigos escoteiros, jornalistas e outras individualidades.
O jornalista e antigo escoteiro, sr. Ernesto Belo Redondo proferiu uma conferência com o título “O nosso amigo jornal”.
Das comemorações, ainda fizeram parte uma exposição da imprensa escotista e um jantar de confraternização, que foi largamente concorrido.

sábado, 2 de julho de 2011

Da nossa história…(16)

Da alegre expectativa à dúvida permanente
apoiado na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro e jornal escotista “Sempre Pronto “)

A dinâmica introduzida pelo Eng.º Jorge Jardim nos Escoteiros de Portugal, reflecte-se, em primeiro lugar na própria direcção associativa, mas também nos grupos de escoteiros, animados por uma onda de entusiasmo. Para esse entusiasmo muito contribuiu a preparação de um Acampamento Nacional, cuja falta de há muito se fazia sentir, e a perspectiva de realização de três reuniões internacionais, a concretizar durante o mês de Setembro de 1950.

Acampamento Nacional, em Carcavelos
No magnífico pinhal da já desaparecida Quinta do Junqueiro, em Carcavelos, começaram a convergir no dia 9 de Setembro os Grupos da Região Centro, os quais, sob o comando do seu Chefe Regional Ernesto Clímaco do Nascimento, tinham como principal missão a preparação do terreno e iniciar a montagem do Acampamento, aos quais se juntaram, no dia 13, os Grupos da Região Sul, chefiados por Luís Nascimento Pina, Chefe do Grupo n.º 6, e no dia 14, os Grupos da Região Norte, comandados pelo Chefe Regional Aníbal Tomás dos Santos.
A direcção do Acampamento estava entregue aos chefes Amâncio Salgueiro, António Mira Calhau e João Clímaco do Nascimento. Os serviços de secretaria foram orientados pelo Chefe José Miranda de Melo e João Patrício de Melo, auxiliados por Otelo Henriques de Sousa e Justino Estevão da Silva. O dr. Baltasar Rebelo de Sousa dirigiu os serviços médicos. No acampamento funcionou ainda uma tenda especialmente dedicada à venda de livros escotistas e artigos do SMU, serviço a cargo do Chefe Capitolino Macedo.
Apesar de algumas deficiências de planeamento, especialmente nos abastecimentos, a capacidade de improvisação superou muitos problemas e graças ao enorme esforço dos escoteiros e seus dirigentes, os campos apresentavam um agradável aspecto, exibindo construções e técnicas típicamente escotistas, que encantaram os milhares de visitan-tes que por ali passaram a apreciar as actividades dos escoteiros e a sua “engenharia” de campo, tão caracteristica daqueles tempos.
O Presidente da AEP, engº Jorge Jardim visitou o acampamento na manhã do dia 17, apreciando em pormenor todo o trabalho realizado pelos grupos.
Na tarde do mesmo dia, o acampamento foi visitado pelos Comissários Internacionais reunidos em Portugal.

Reuniões dos Comissários Internacionais
Naquele mês de Setembro de 1950 tiveram igualmente lugar três importantes reuniões internacionais de dirigentes escotistas, com presença de dezenas de delegados, a saber: Reunião dos Comissários Internacionais, Reunião do Comité Internacional do Escotismo e Reunião da Comissão de Estudo dos Antigos Escoteiros.
Aos participantes foi dispensada uma carinhosa recepção e as reuniões decorreram no Forte das Maias, em Santo Amaro de Oeiras.
Dessas reuniões e das actividades que à volta delas se realizaram, fez larga reportagem quase toda a imprensa diária portuguesa e até alguma estrangeira, procurando dar a esses acontecimentos o relevo que eles mereciam.
Mas o acolhimento feito aos Comissários Internacionais e membros do Conselho Internacional do Escotismo não se limitou às reuniões no Forte das Maias, pois aos visitantes foram proporcionadas duas excursões visitando os mais belos lugares dos arredores de Lisboa, especialmente as Serra de Sintra e Arrábida. A comissão de recepção, orientada por José Maria Nobre Santos, Secretário das Relações internacionais da AEP, não se poupou a esforços para que os visitantes levassem de Portugal recordações inolvidáveis.
A visita ao Acampamento Nacional, marcou outro momento alto das actividades dos Comissários, proporcionando-lhes contacto directo com o Escotismo praticado em Portugal, tendo apreciado muito o trabalho genuíno desenvolvido pelos Grupos, com seus campos montados com muita arte e engalanados com gosto.

A presença do Director da Repartição Mundial do Escotismo
Por convite das duas associações escotistas portuguesas, ficou o Coronel Wilson mais alguns dias em Portugal para que, com mais sossego e intimidade, os dirigentes portugueses pudessem trocar ideias com ele, para de um modo mais eficaz aproveitar dos seus conhecimentos e sugestões.
No dia 21, o Coronel Wilson visitou a Sede central da AEP, onde conferenciou com os directores dos Escoteiros de Portugal e com a Delegação de Lisboa do CNE. À noite, teve ainda oportunidade de visitaras sedes dos Grupos 5 e 53, onde foi alegremente recebido pelos seus escoteiros e dirigentes, seguindo depois para a Sociedade de Geografia onde reuniu com os chefes dos grupos de Lisboa da AEP, aos quais dirigiu palavras de estímulo e confiança no engrandecimento do Escotismo, apelando para que todos se devotassem mais às suas unidades e ao Movimento.
No dia 23 partiu para o Norte de automóvel, acompanhado dos Comissários Internacionais das duas associações, Chefe Geral da AEP e do Major Leo Borges Fortes, delegado do Brasil. À chegada ao Porto foi recebido pelos dirigentes escotistas daquela cidade e, à noite, assistiu a um festival promovido pelo CNE nos claustros da Sé Catedral.
O Coronel Wilson foi igualmente recebido em Guimarães e Braga, onde o CNE lhe prestou significativas homenagens.

Presença de Portugal no Jamboree de Salzburgo
Por distracção administrativa, ou falta de meios, esta importante actividade escotista quase passou despercebida à direcção da AEP, que se limitou à presença de um observador, o Chefe Regional de Lisboa Ernesto Clímaco, que viajou a expensas suas. O CNE enviou uma pequena delegação, constituída por dois escoteiros juniores e alguns seniores.
Entretanto, o jornal “Sempre Pronto” fez questão de estar presente com os seus três elementos principais – Eduardo Ribeiro, director; Capitolino Macedo, administrador; Joel Ribeiro, redactor principal, garantindo assim aos seus leitores o relato de tudo que ali se passou. Damos por isso lugar à brilhante pena do saudoso companheiro Joel Ribeiro, que nos descreve com entusiasmo a região onde o acampamento ficou instalado:
“O Jamboree ficava a cerca de 50 kms da cidade e era necessário tomar um pequeno e vagaroso combóio que nos conduziria até às proximidades de Bad Ischl. A viagem era sugestiva: ao pitoresco comboiozito e à agradável companhia de um punhado de alegres militares franceses das forças de ocupação da Áustria, mas que, como escoteiros que eram, se dirigiam também para o grande acampamento, juntava-se o maravilhoso da paisagem. A região de Salzkammergut é considerada das mais belas da Europa.
… O percurso que o combóio ia cobrir era de facto dos mais surpreendentes que nos tem sido dado observar… É difícil descrever o encanto desses vales viçosos, com mil e um chalés de camponeses disseminados por toda a planície, ou a majestade dos cumes esbranquiçados pela neve, sobranceiros a lagos formosos e solitários! Pois era esta região que íamos atravessar…”

O “Jamboree da simplicidade”, como foi chamado,não obstante contar com o patrocínio do Presidente da República Austríaca e registar a visita de Lady Baden Powell, viúva do Fundador, apresentou algumas falhas de organização, nomeadamente falta de iluminação, deficiente serviço de correios e carência de intérpretes nas informações, mas estas foram largamente compensadas, como afirmou Joel Ribeiro: “É justo que a par destas deficiências falemos também de tudo aquilo que nos impressionou favoravelmente. Em primeiro lugar,devemos dizer que ficamos encantados com a hospitalidade dos escoteiros austríacos e também de todo o povo daquele país. É de enaltecer a afabilidade com que o povo recebia os forasteiros…”
As delegações estavam distribuídas por sete subcampos, destacando-se, pelo número, os da Áustria, Estados Unidos, França, Inglaterra, Suíça, Itália e Alemanha. No total estiveram acampados cerca de 18.000 escoteiros.

A Conferência Internacional do Escotismo
Nos três primeiros dias de Agosto, realizou-se em Salzburgo a Conferência Internacional do Escotismo, na qual os Escoteiros de Portugal estiveram representados por José Maria Nobre Santos, secretário das relações internacionais e Alexandre Ascenção Cardoso. Pelo CNE estiveram presentes: D. José Paulo de Lencastre, chefe nacional adjunto, Victor Lima e Santos, secretário das relações exteriores e Padre José Pinto Pereira.
A Conferência ocupou-se de diversos assuntos, entre os quais a admissão da Associação dos Escoteiros de Israel e a organização associativa dos Antigos Escoteiros.

Acampamento Internacional de Patrulhas
Desta vez estava atenta a Direcção associativa e empenhado o secretário das relações internacionais, Eng. Nobre Santos. A Direcção tornou possível a ida de um contingente de escoteiros a Inglaterra para participar no primeiro Acampamento Internacional de Patrulhas, que teve lugar em Agosto de 1951, em Gillwell Park.
A notícia desta actividade fez exultar de alegria os escoteiros seleccionados em diferentes grupos de todo o País, os quais constituíram duas patrulhas, que foram acompanhadas pelos chefes Jacinto Moniz Silva e Armando Lino. Os escoteiros viveram uma bela aventura na viagem de 3 dias no “Higland Monarch”, que os transportou de Lisboa para Sauthampton, onde chegaram no dia 16. Ali foram recebidos por escoteiros ingleses que haviam programado oferecer-lhes uma semana de estadia em suas casas e proporcionar-lhes um magnifico programa de visitas e passeios, pelo que as patrulhas se separaram, seguindo uma para Londres e outra para Barking uma pequena cidade dos subúrbios, com cerca de 80.000 habitantes.
Essa semana constituiu uma bela jornada de confraternização, guardando os jovens portugueses em seus corações a magnífica lição recebida dos escoteiros ingleses, pela maneira afável como foram recebidos por eles e no seio das suas famílias, tão gentis e hospitaleiras.
Chegados a Gilwell na manhã do dia 22, um bonito parque situado numa extremidade da floresta de Epping, os escoteiros depararam com um enorme acampamento, como se fora uma pequena cidade dividida em freguesias (subcampos), onde existia tudo que era indispensável (e mesmo o dispensável) para o funcionamento de uma grande actividade como aquela em que foram instaladas cerca de 800 tendas e foi visitado por mais de 20.000 pessoas.
O carácter internacional das actividades e as diversas competições realizadas, além dos desfiles, concentrações e Fogos de Conselho (3) deram grande animação e colorido aquele evento e deixaram nos participantes recordações inolvidáveis.

Continuidade e optimismo
A quantidade e natureza das actividades que se desenvolveram em tão curto espaço de tempo deram à década de 50 uma perspectiva de que os Escoteiros de Portugal iam, finalmente, entrar numa fase de grande desenvolvimento. Era também essa a convicção do Engº Nobre Santos quando em Dezembro de 1951, já empossado do cargo de Escoteiro Chefe Geral, falava ao jornal “Sempre Pronto”, sobre as directrizes e os projectos dos dirigentes associativos: “a Direcção está trabalhando com afinco nos preparativos da reforma do Regulamento Geral da Associação, a Conferência de Dirigentes reunirá no próximo verão e esperamos realizar também um grande acampamento da Região Centro, onde talvez tomem parte alguns escoteiros ingleses. Em 1953, o 40º aniversário da AEP será comemorado com um acampamento nacional, para o qual se pensa convidar o CNE e delegações de países estrangeiros”. Todavia, a partida do engº Jorge Jardim para Moçambique, nomeado para a Administração de uma grande empresa industrial, tornou inviável a continuidade do seu trabalho como Presidente dos Escoteiros de Portugal e logo se fizeram regressar os desentendimentos entre os dirigentes e a instabilidade voltou ao seio da AEP.
Por iniciativa do engº Nobre Santos, Escoteiro Chefe Geral, reuniram-se dirigentes e antigos escoteiros, em 19 de Setembro de 19552, para anáise da crise associativa e apresentação de sugestões sobre nomes para a Presidência.
Também serviu aquela reunião para apresentação do projecto de alteração dos Estatutos da Associação, que foi contestado em algumas das suas formulações, que os antigos escoteiros fizeram abortar.
Finalmente, nos dias 5 a 8 de Dezembro, realizou-se a Conferência Nacional de Dirigentes, que teve lugar no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, à qual foi proposto, como candidato único, o Comandante Henrique Tenreiro, que foi eleito por aclamação.
Henrique Tenreiro, antigo escoteiro e figura de grande relevo na vida nacional, veio a encarar com muita simpatia e interesse a Presidência dos Escoteiros de Portugal, mas o seu empenhamento político e a falta de tempo para dispensar ao seu cargo a atenção que merecia, gerou muitas situações das quais, contrariamente ao que poderia esperar-se, a AEP saiu sempre prejudicada.

sábado, 30 de abril de 2011

Da nossa história...15

Renasce de novo a esperança
em melhores dias
(apoiado na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro e jornal escotista “Sempre Pronto“)

A década de 40 foi palco de alguns dos mais importantes acontecimentos do Escotismo, nacional e internacional. Desde logo, a realização do Jamboree da Paz em 1947, em Moisson, na França, um acontecimento grandioso, onde estiveram presentes cerca de 40.000 escoteiros, constituindo a maior concentração escotista até aquela data, num incitamento à Paz e concórdia entre as nações.

Igualmente importante foram a presença do engº Brotas Cardoso, em Julho de 1948, na II Reunião dos Comissários Internacionais e a realização, em princípios de Agosto de 1949, da 12ª Conferência Internacional do Escotismo, que teve lugar em Elvasaeter na Noruega, na qual estiveram presentes delegações de 22 países, entre as quais uma delegação portuguesa formada por Jorge Brotas Cardoso, chefe geral da AEP, Fernando de Oliveira Mouta, Luís de Faria, Victor Lima e Santos e João Garcia Cabral, destacados dirigentes do CNE. Entre as decisões tomadas por esta Conferência, destacaram-se a escolha da Áustria para realizar o Jamboree de 1951 e a escolha de Portugal para a reunião dos Comissários Internacionais em 1950.

Ao nível nacional, teve igualmente grande significado a publicação do Decreto-Lei n. 31908, em Março de 1942, com o qual desapareceu a ameaça, que pairava latente, da extinção do Movimento em Portugal, embora com o ónus da submissão à Organização Nacional Mocidade Portuguesa e ao seu Comissário Nacional, Marcelo Caetano.


Facto igualmente positivo foi a eleição do Engº Jorge Pereira Jardim, em Maio de 1948, para Presidente da AEP. Dirigente de muito prestígio, que era particularmente estimado e respeitado pela maioria dos chefes, logo deu à nossa associação melhor organização e perspectivas de acção que desde há vários anos se não conheciam, proporcionando alguma visibilidade e prestígio. Só foi pena que a sua presidência efectiva viesse a ter curta duração. Por força da sua designação para subsecretário do Comércio e Indústria, foi substituído interinamente pelo engº Brotas Cardoso, que acumulou o cargo com o de escoteiro chefe geral.

Mas, para além dos referidos acontecimentos, é de toda a justiça evidenciar dois outros não menos importantes, que são o aparecimento do jornal escotista SEMPRE PRONTO, em Janeiro de 1945 e o movimento lançado por aquele periódico logo no seu primeiro número, para consolidar uma ideia nascida no jantar comemorativo do 32º aniversário do Grupo n. 2, realizado no dia 1 de Dezembro de 1944, pela qual se bateu durante vários anos e que levou à criação, em 11 de Março de 1950, da Fraternal dos Antigos Escoteiros de Portugal, órgão associativo para o estudo e divulgação do Escotismo.

Às duas entidades referidas muito se ficou a dever pelo apoio e valorização das acções desenvolvidas pelos Grupos e pelas estruturas Centrais da AEP, especialmente o mensário escotista que, agindo muita vez de uma forma crítica, manteve ao longo dos anos uma verdadeira luta pela dignidade associativa e pela defesa dos ideais escotistas.

O aparecimento do “Sempre Pronto”
“Sempre Pronto” nasceu, de uma forma simples, dentro de um Grupo de escoteiros, o 94 na Ajuda, com uma ideia muito determinada, defender o Escotismo dos seus detractores e divulgar o Movimento de uma forma séria. Foram seus fundadores Eduardo Ribeiro, Capitolino Macedo e Joel Ribeiro, que faziam parte da chefia do Grupo, desde logo aliciando alguns colaboradores em outras áreas associativas. Geralmente bem aceite pelos antigos escoteiros, que mantinha informados do que se passava nas hostes associativas, fornecia aos escoteiros ensinamentos importantes de carácter técnico e pedagógico.

Porém, o estilo acutilante e crítico dos seus textos, não perdoava à acção desastrosa de Amâncio Salgueiro e, em Maio de 1947, a direcção da AEP exigiu da direcção do Grupo n. 94 a suspensão da publicação e a ordem arbitrária foi cumprida.


Porém não desistiram os jovens e intrépidos “jornalistas” e, porque naqueles dois anos “Sempre Pronto” ganhara vitalidade e grande apoio dos meios escoteiros, a propriedade do jornal foi transferida e legalizada em nome do “Circulo Fraternal de Cooperação Escotista”, pelo que, em Julho seguinte, a publicação continuava a sua luta por um Escotismo digno dos ideais de B.P..

O Sempre Pronto e o seu director Eduardo Ribeiro foram durante dezenas de anos a mais séria e a mais importante referência do Escotismo português, informando, ensi-nando, doutrinando e organizando acções que prestigiaram o nosso movimento e contribuíram para a sua defesa e expansão no nosso país. Desde a sua criação, em Janeiro de 1945, manteve uma publicação impressionantemente regular até cerca de 1982. Ao longo desses 37 anos publicou mais de 430 números, sempre dirigido por Eduardo Ribeiro.

O autor destas linhas [Mariano Garcia] não pode deixar de registar aqui a mais elevada admiração pelo percurso escotista de Eduardo Ribeiro e a sua enorme gratidão pelo muito que com ele aprendeu em mais de vinte anos de muito estreita colaboração, ao serviço do “Sempre Pronto” e do Escotismo.

Permitimo-nos considerar que, com o desaparecimento de Eduardo Ribeiro findou também a vida daquele jornal escotista, embora “Sempre Pronto” continue a sua publicação como órgão oficial da AEP, mas com características totalmente diferentes, posto que deixou de ser um mensário informativo e interveniente, para ser uma pequena revista, especialmente destinada aos mais novos, que se publica com pouca regularidade.


Com a presidência do Engº. Jardim a vida dos Escoteiros de Portugal recebeu um forte impulso. Reunindo à sua volta elementos de reconhecido mérito escotista, procurou mudar o rumo associativo, designando Jorge Brotas Cardoso para escoteiro chefe nacional e para as chefias regionais foram nomeados António Mira Calhau, Amadeu Cândido Braga e João Miranda Trigueiros, respectivamente Centro, Norte e Sul. E a actividade associativa foi animada por uma onda de entusiasmo.

O novo presidente teve ainda o cuidado de normalizar as relações entre a própria Direcção Central da AEP e o jornal Sempre Pronto. Foi reconhecido oficialmente o interesse da publicação daquele mensário e estabelecidas normas de relação, tendo o próprio director do Sempre Pronto sido nomeado delegado da AEP junto do jornal.

Nasce A Fraternal dos Antigos Escoteiros de Portugal
A ideia havia sido lançada há muito, mais precisamente no decorrer de um jantar realizado no dia 1º de Dezembro de 1944, onde mais de 40 convivas comemoraram o 32º aniversário do Grupo n. 2.

“Sempre Pronto” apadrinhou essa ideia logo no seu primeiro número publicado em Janeiro de 1945 e fez dela uma verdadeira campanha, procurando mobilizar quer os antigos escoteiros, quer os dirigentes associativos e dos grupos.

Organizar a Fraternal dos Antigos Escooteiros era uma ideia simpática a todos que já haviam passado pelo Escotismo e nesse sentido se manifestaram nas páginas daquele jornal. Todavia, ainda que logo no ano seguinte o Presidente da AEP tivesse chamado a si a iniciativa de criar uma Comissão Organizadora da Fraternal, tornando público, através de David Boudouin, precisamente no jantar comemorativo do 33º aniversário do Grupo nº. 2, o convite a Luís Alves Miguel, Edmundo de Matos, Quintino Pinheiro, Santos Lopes, Conde Ribeiro e Mariano Lapa para constituírem essa Comissão e dos aplausos que aprovaram tal nomeação, as intenções não passaram disso mesmo e foram precisos mais de três anos para, no celebrado jantar de 21 de Fevereiro de 1948, evocativo do aniversário de BP se voltar a falar no assunto, Foi então que, após um veemente artigo de Eduardo Ribeiro na primeira página do seu jornal, em Maio do mesmo ano, fazendo apelo a todos os antigos escoteiros, “Sempre Pronto” chamou a si a mobilização geral, promovendo em 19 de Novembro de 1949, na sala Algarve da Sociedade de Geografia, uma sessão presidida por: com. Álvaro Melo Machado, dr. Alfredo Tovar de Lemos e dr. Francisco Cortez Pinto, onde foi eleita, por aclamação a Comissão Organizadora da Fraternal dos Antigos Escoteiros de Portugal constituída por: Ernâni Roque, Eugénio Ribeiro Nunes, Fernando Bahia dos Santos, dr. Gonçalo Mesquitela, Eng. José Maria Nobre Santos, Luís Grau Tovar de Lemos, AEP representada por António Mexia de Castro Paivaa e jornal “Sempre Pronto”, representado por Ernesto Clímaco do Nascimento.


Finalmente, em 11 de Março de 1050, foi realizada no Salão Nobre do Ateneu Comercial de Lisboa a Assembleia constitutiva que, por unanimidade, aprovou o respectivo Regulamento Geral e elegeu os Corpos Gerentes:
Presidência: Com. Álvaro Melo Machado, presidente; Ver. Eduardo Moreira e dr. Francisco Cortez Pinto, vice-presidentes; dr. Leopoldo Figueiredo, 1º secretário; dr. Délio Nobre Santos, 2º secretário.
Direcção: dr. Alfredo Tovar de Lemos, presidente; major Joaquim Duarte Borrego, vice-presidente; António Manuel Ribeiro, 1º secretário; Gastão de Moura Florêncio, 2º secretário; Sérgio Conde Ribeiro, 2º secretário; Antero Nobre, 1º vogal e dr. Luís Teixeira, 2º vogal.
Conselho Fiscal: Albano da Silva, presidente; Joaquim Amâncio Salgueiro Júnior, secretário e Ernâni Roque, relator.

Enorme dinamismo marca a vida da AEP
A dinâmica criada pelo engº Jorge Jardim, enquanto Presidente da AEP e a expectativa de Portugal vir a ser palco da primeira reunião do Escotismo Internacional, faz aumentar o entusiasmo dos dirigentes associativos. Entretanto, o ano de 1950 inicia-se, praticamente, com a notícia da demissão da direcção.

Porém, o Presidente escolhe de imediato os elementos para uma nova direcção, que fica assim constituída: Luís Grau Tovar de Lemos, chefe-geral e presidente interino; dr. Baltasar Rebelo de Sousa, secretário-geral; engº José Maria Nobre Santos, secretário das relações internacionais; Eduardo Ribeiro, tesoureiro-geral.

A nova direcção elabora, com entusiasmo, um ambicioso calendário de actividades, de onde constam:1. acolhimento a três reuniões internacionais – Reunião dos Comissários Internacionais, Reunião da Comissão Internacional do Escotismo e Reunião Consultiva sobre os Antigos Escoteiros; 2. Um concurso inter-grupos; 3. Uma escola de Guias; 4. um curso de Chefes; 5. um acampamento nacional; 6. um progra-ma (modelo).para os grupos.

Todo o entusiasmo revelado pelos dirigentes associativos não deixou de dar seus frutos, contagiando a acção de muitos Grupos que conheceram neste período um maior desenvolvimento, nomeadamente empenhando-se na enorme tarefa de preparar a sua presença no Acampamento Nacional, que veio a realizar-se no mês de Setembro, na Quinta do Junqueiro, em Carcavelos.

Libertando-se das terríveis amarras do passado recente os Escoteiros de Portugal, começavam a adquirir o ritmo de uma associação escotista, empenhada na formação dos seus dirigentes e na educação cívica dos seus jovens.

sábado, 26 de março de 2011

Da nossa história...14

O difícil retomar da
caminhada

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 31908, em 9 de Março de 1942, desapareceu a ameaça da extinção do Movimento Escotista em Portugal, mas a actividade dos grupos de escoteiros continuou muito difícil.

Jorge Pereira Jardim, dirigente de prestígio, que fora nomeado Chefe Regional de Lisboa, procurava desenvolver actividades na zona a seu cargo, mas conotando-as com uma certa filosofia da época. Organizou a Defesa Passiva e constituiu um contingente bem treinado, especializado nos socorros de defesa civil. Estava-se em pleno período da guerra e este contingente mobilizara o entusiasmo de alguns escoteiros e a atenção do público. O contingente foi equipado com capacetes de aço, máscaras antigás e macas e realizou treinos intensivos, atraindo a atenção do público.

Um acampamento regional, em LisboaA Região promoveu em 1944 um acampamento que decorreu no pinhal da Escola Salesiana do Estoril, durante mais de uma semana, actividade que ganhou certo relevo. Conjuntamente com os demais, participaram neste acampamento dois Grupos anexos a igrejas evangélicas, com pleno conhecimento da direcção da Escola, que não colocou quaisquer objecções, chegando a visitar os campos daquelas unidades com manifestações de simpatia, como certamente terá feito aos restantes. Apesar do seu entusiasmo e da boa aceitação por parte dos dirigentes escoteiros, Jorge Pereira Jardim abandonou aquele cargo pouco tempo depois.

No Norte, Amânio Salgueiro Jr. intensificava a sua actividade, mas exteriorizando com demasiada evidência uma ideologia que pouco tinha a ver com os princípios esco-tistas. A exaltação da raça, presente nas canções que criara para os escoteiros, o seu pendor para o autoritarismo e a sua simpatia pelas doutrinas nazis, estavam pouco conformes com o método do Escotismo. Os conflitos com as chefias dos Grupos eram constantes, o que levou à expulsão de alguns dirigentes e ao enceramento de Grupos.

Apesar disso, promoveu anualmente alguns concursos inter-patrulhas, que estimulavam o interesse dos jovens e realizou a primeira Escola Regional de Guias, actividades que mereceram registo pela sua utilidade.

Todavia, os Serviços Centrais funcionavam mal e não produziam actividades nem estímulos que agitassem a acção dos grupos, onde os chefes mais dedicados procuravam remar contra a maré, numa afirmação do seu carácter e do ideal do movimento, fazendo o que podiam para demonstrar aos seus rapazes e ao público em geral, as realidades do Escotismo e a sua importância na educação dos jovens. Mas a sua acção era condicionada, pois logo que procuravam dar alguma publicidade às actividades que promoviam, eram chamados e repreendidos para não fazerem propaganda.

Nomeações de novas chefiasEntretanto, foram chamados para adjuntos do Chefe Nacional (Luís Tovar de Lemos) David Baudouin e Amâncio Salgueiro Jr., que acabara de fixar residência em Lisboa, abandonando, por isso, a Chefia Regional do Norte.
Em 16 de Novembro de 1944, José Maria Nobre Santos era nomeado Chefe Regional do Centro, de acordo com a nova organização regional associativa, que contemplava apenas três Regiões para o Continente, a saber: Norte, que cobria todo o norte do País chegando até Coimbra; a do Centro, e ado Sul. A chefia regional do Norte era confiada a Aníbal Tomás dos Santos.

Em Março seguinte é a vez de Luís Tovar de Lemos se desligar do cargo de Chefe Geral, lugar logo ocupado por Amâncio Salgueiro Jr..

Mas a actividade associativa, conduzida por Amâncio, caminha de mal a pior. Em 28 de Maio de 1945 extingue os serviços regionais e, em 19 de Julho seguinte, volta a organizá-los, confiando a Magalhães Ferraz a chefia de Lisboa e a Manuel Ferreira Coelho a do Norte.

A vida associativa corria mal e a desconfiança instalara-se no seio dos dirigentes, divididos nos seus conceitos de orientação do movimento.

O Presidente da direcção fragilizava a acção directiva com as suas manifestações de fidelidade à Organização Nacional, sempre que ia a despacho com Marcelo Caetano, o que provocava a troça de muitos que discordavam de tal subserviência.

JAMBOREE DA PAZConhecido o ambiente que se vivia no seio da AEP, não será difícil perceber a falta de atenção dispensada pelos responsáveis associativos à realização de um grande acontecimento escotista mundial, como foi o Jamboree da Paz, que teve lugar em Moisson, França, durante o mês de Agosto de 1947 e reuniu cerca de 40.000 escoteiros. Efectivamente, apesar do grande interesse que despertou entre os escoteiros e não obstante os alertas lançados atempadamente pelo jornal “Sempre Pronto”, que desenvolveu um grande esforço de mobilização do meio escotista português para o envio de um contingente a representar os Escoteiros de Portugal, chegando a lançar nas suas colunas um peditório para custear a viagem de alguns escoteiros, a apatia directiva impediu que tal acontecesse.

Tratou-se de um acontecimento grandioso, que para além de constituir a maior reunião escotista até então conseguida, tinha o especial significado do incitamento à Paz e concórdia entre as nações, por ser o primeiro que se realizava após o fim da terrível guerra que dividira os povos e matara milhões de cidadãos em todo o mundo.

Atraídos por tão importante acontecimento, que por nada desejariam perder, deslocaram-se a expensas suas, os seguintes dirigentes: Alberto Teixeira Brás, Armando Lino, Carlos Mexia de Castro Paiva, Ernesto Clímaco do Nascimento, Henrique Alves de Azevedo, João Miranda Trigueiros, Jorge Brotas Cardoso e Mário Rocha Santos. Também os três responsáveis do neófito jornal “Sempre Pronto”, Eduardo Ribeiro, Capitolino Macedo e Joel Ribeiro, custearam as suas próprias viagens para observar e relatar o grande acampamento, mas na qualidade de jornalistas credenciados pela organização do Jamboree.

Todavia, jovens escoteiros, que muito teriam a aprender com uma actividade tão grandiosa, estabelecendo contactos com milhares de outros jovens das mais diferentes origens, raças e religiões, dando testemunho das qualidades e virtudes da juventude portuguesa, esses não houve preocupação oficial de garantir a sua presença.

Novo Presidente da AEPEntretanto, multiplicaram-se os contactos entre os dirigentes escotistas que se preocupavam verdadeiramente com o prestígio e dignidade da AEP e foram feitas díligências junto do engº. Jorge Pereira Jardim para que aceitasse a sua candidatura para presidir à Direcção dos Escoteiros de Portugal.

Não recusando a ideia, Jardim exigiu apenas que fosse o Presidente em exercício a abandonar voluntariamente o seu cargo, tornando a sucessão difícil porque Álvaro Afonso dos Santos, apesar do desprestígio em que caíra e da pressão exercida por mui-tos dirigentes, se recusava a abandonar o cargo.

Até que em Abril de 1948, um facto externo contribui para a solução daquele im-passe. Afonso dos Santos fora nomeado para desempenhar uma função oficial no estrangeiro e os chefes escoteiros celebraram com algum júbilo a sua saída.

Para acelerar o processo eleitoral, este foi pela primeira vez realizado por corres-pondência e, após consulta a todos os Grupos por via postal, Jorge Pereira Jardim foi eleito por unanimidade.

A partir daquele momento, uma nova esperança se abria no futuro da AEP. O eng. Pereira Jardim, apesar da sua proximidade ao regime politico vigente era um dirigente escotista considerado por todos e um escoteiro convicto, merecedor da confiança da grande maioria dos dirigentes. Socorremo-nos da reportagem do jornal “Sempre Pronto”, órgão de imprensa escotista, independente, surgido em Janeiro de 1945, oferecendo assim actualidade à importante cerimónia da posse do eng. Jardim:
“A Posse do novo Presidente dos Escoteiros de Portugal teve lugar no dia 31 de Maio de 1948, na Sede Central e na presença dos diversos órgãos associativos, dos antigos presidentes da AEP Alfredo Tovaar de Lemos e Francisco Cortez Pinto e do Sr. Lima Santos, representante do CNE. A posse foi conferida pelo Sr. Alexandre Ascenção Cardoso, em representação do Presidente cessante, que teve palavras de elogio para o sr. Eng. Jardim. No mesmo sentido discursaram os drs. Tovar de Lemos e Cortez Pinto, que enalteceram as qualidades de carácter e competência do novo Presidente, felicitaram os escoteiros pela boa escolha que tinham sabido fazer e afirmaram a sua confiança no futuro do movimento escotista em Portugal.

O sr. Lima Santos disse que trazia à AEP e ao seu Presidente as felicitações do CNE e mostrou a sua satisfação pelas relações fraternais das duas associações escotistas portuguesas.

Finalmente o engº. Jardim agradeceu as palavras amigas que a seu respeito tinham sido proferidas e a presença de todos que tinham querido honrar o acto. Fez um discurso em que focou as circunstâncias que o tinham levado a aceitar o cargo para que fora eleito e definiu as normas porque iria orientar o trabalho associativo…”.

A vida dos Escoteiros de Portugal reactivou-se. No dia 16 de Junho, na presença de muitos chefes dos Grupos de Lisboa e representantes dos dirigentes das outras regiões o novo Presidente deu posse aos seguintes dirigentes: a chefia geral foi entregue ao engº Brotas Cardoso; Amadeu Cândido Braga, um veterano do escotismo nortenho, foi nomeado chefe regional do Norte; António Mira Cahau designado para chefe regional do Centro. O chefe da região do Algarve, João Lobo Miranda Trigueiros, não tomou posse neste acto por se encontrar ausente do País.

O Movimento foi animado por uma onda de entusiasmo, da qual viriam a brotar a organização de reuniões internacionais, pela primeira vez em Portugal.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Da nossa história…(13)

Escotismo fica sujeito à tutela da Mocidade Portuguesa - apoiado na "História dos Escoteiros de Portugal" de Eduardo Ribeiro.

Não eram de todo agradáveis as perspectivas que se apresentavam ao Presidente da Comissão Executiva, dr. Alfredo Tovar de Lemos, o prestigiado dirigente associativo que nos anos vinte operara uma verdadeira transformação da AEP, promovendo o seu desenvolvimento e prestígio nacional.

Os Escoteiros de Portugal haviam ultrapassado, com algum brilhantismo, a primeira prova de força a que haviam sido submetidos, mas o Escotismo, apesar de continuar a ser visto pelo público com muita simpatia, era apenas tolerado e olhado com desconfiança pelo Governo que, apesar do grande empenhamento e das elevadas somas gastas nos programas de instalação da Mocidade Portuguesa, a organização nacional de enquadramento político que arrastava multidões de adolescentes, obrigados a participar nas suas actividades, que se colavam às obrigações escolares, sem motivação e sem alma. Era já uma organização moribunda, vestida rigorosamente pelo figurino do nazismo alemão, onde apenas as especialidades como a vela, hipismo, escola de aviação e outras actividades do género (disputadas pelas classes privilegiadas), conseguiam atrair os jovens de mais idade.

Este clima não ajudava a desenvolver o Escotismo, que continuava a sofrer perseguições e agravos, sem qualquer acompanhamento da imprensa que reduzia o seu noticiário ou o escondia nas páginas mais discretas.

O dr. Tovar de Lemos não conseguia criar as condições para aplicar as suas excepcionais qualidades de dirigente escotista, tal como já o fizera vinte anos antes. Até porque em 17 de Fevereiro de 1939, surge o Decreto n. 29453, que no seu artigo 36º, determina: “à data da entrada em vigor do presente decreto, consideram-se extintos todos os grupos de escoteiros existentes nas colónias”.

Nas colónias portuguesas estava-se então verificando o acentuado crescimento das actividades escotistas, podendo calcular-se áquela data a existência de largos milhares de escoteiros, membros das duas associações, AEP e CNE. Só em Moçambique, onde o competente e activo dirigente capitão Ismael Mário Jorge ocupou o cargo de Comissário Regional desde 1929 até à extinção, um relatório oficial referia que o censo de escoteiros naquela colónia era o seguinte: Lourenço Marques -2300; Beira – 1100; Namacha – 380; Inhambane – 100; Diversas localidades – 300; total 4180.

Soube-se depois que outro decreto idêntico estivera preparado para entrar em vigor em Portugal (Continente e Ilhas), mas não chegou a ser publicado, ignorando-se se im-pedido pelas mesmas influências de acontecimentos anteriores. Sabe-se apenas que existiram contactos de escoteiro de muito prestígio e que também o Cardeal Cerejeira se terá interessado pelo assunto. De certo, sabe-se apenas que Salazar não assinou o decreto já redigido. E o Escotismo continuou em Portugal… ainda que com todas as dificuldades e numa situação bastante indefinida.

O Acampamento dos Centenários
Um acampamento Nacional, teve lugar em Setembro de 1940, em Lisboa, em terrenos anexos ao Hospital Colonial, na Junqueira. Foi chamado dos centenários por se come-morarem nesse ano o 8º Centenário da fundação da nossa nacionalidade e o 3º centenário da restauração da independência.

O acampamento realizou-se naquele local para ficar perto da exposição do Mundo Português, situada nos terrenos de Belém, à qual os escoteiros tinham garantido serviços de apoio cívico.

Estiveram presentes escoteiros do Norte, Centro e Sul do país, mas as condições do local não se adaptavam a uma actividade daquele tipo, pelo que o acampamento não alcançou grande nível, valendo aos escoteiros o clima de festa que se fazia sentir naquele local e a grandiosidade da exposição a que tiveram a oportunidade de assistir.

Novos rumos
Com o decorrer dos anos, tornara-se evidente que a Mocidade Portuguesa não conseguia mobilizar o entusiasmo dos jovens nem conquistar a simpatia da população em geral, independentemente da facilidade com que recrutavam os seus filiados, inscrevendo obrigatóriamente todas as crianças e jovens que frequentavam as escolas primárias e secundárias do país. A arrogância e fanatismo político dos seus dirigentes, perturbava e corroía o ambiente social.

Os grupos de escoteiros sofriam o peso desse ambiente e confrontavam-se constantemente com as dificuldades e afrontamentos que recebiam dos agentes governamentais e só os chefes mais ousados e com elevada estatura moral e cívica, insistiam em praticar o Escotismo e a resistir à constante pressão que sobre eles se exercia para aderirem à organização nacional, o que lhes acarretava sérios próblemas pessoais e fortes dúvidas quanto ao regular funcionamento dos grupos.

No início de 1942, perante o evidente falhanço da M.P. o Governo decidiu convidar Marcelo Caetano, figura de alguma evidência no regime, para o cargo de Comissário Nacional da organização. Marcelo aceitou e, logo que assumiu o cargo, providenciou o Decreto-Lei n. 31908, publicado em 19 de Março de 1942, o qual veio submeter à tutela da M.P. todas as organizações “que tenham por objectivo a educação cívica, mo-ral e física da juventude”.

Marcelo fora escoteiro no Grupo n.º 11, que existiu no Liceu Camões e participou no 1.º Curso de Chefes da AEP, que decorreu em 1922 na Escola Normal de Benfica, por iniciativa do dr. Alfredo Tovar de Lemos, por quem veio a ser convidado, em 1923, para integrar uma das muitas Comissões então criadas (Comissão Jurídica?), para apoiar a Comissão Executiva no desenvolvimento associativo. Mas, havia sido conquistado pelas novas teorias do nacionalismo, tornando-se um dos seus teóricos.

Daí que, não hostilizando o Escotismo, entendeu que este deveria submeter-se à nova Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, criando-lhe toda a espécie de limitações e entraves ao seu natural desenvolvimento.

O texto do Decreto-Lei espelhava os ideais do totalitarismo que governava o país, onde o fanatismo de uns quantos, mascarado de heróico patriotismo, destruía os conceitos de igualdade, civismo e cidadania, valores civilizacionais de um povo, nos quais assentam os ideais escotistas. Assim, instituições e dirigentes ficavam sujeitos à disciplina do Governo que poderia ir ao pormenor de destituir dirigentes, autorizar ou não a abertura de centros ou grupos, aprovar ou não regulamentos e, sobretudo, obrigar a que os chefes ensinassem aos seus educandos os ideais do “Estado Novo”, o que contrariava a afirmada neutralidade política do Escotismo.

As associações já existentes dispunham apenas de 30 dias para requerer ao comissário nacional da M.P. a aprovação dos seus estatutos, mas a AEP deixou correr o prazo sem cumprir essa obrigação.

O dr. Alfredo Tovar de Lemos preferiu abandonar serenamente o seu cargo.

Porém, as disposições da lei não chegaram a ser aplicadas, já que, de entre os dirigentes de que a AEP ainda dispunha, se alinharam para a sucessão directiva algumas figuras mais próximas do regíme, aos quais foi possível o diálogo com Marcelo Caetano, com quem começaram a concertar os novos estatutos. Este fez-lhes saber que deveria ser retirada dos estatutos a designação de comissário, que foi substituída (com vantagem, achamos) por Escoteiro-chefe.

Marcelo impôs, ainda, o afastamento de Franklin Oliveira, o que surpreendeu, porquanto Franklin era oficial legionário não obstante o seu cargo na AEP, o que revelava certa faceta do seu carácter.

Mas os estatutos foram apresentados e, depois da sua aceitação pela M.P., aprovados pela Ordem de Serviço n. 14, de Abril de 1942.

Remodelada a Direcção da AEP, voltava a presidir o capitão Álvaro Afonso dos Santos, figura de toda a confiança do Estado Novo. Para Escoteiro Chefe-geral, foi nomeado Luís Grau Tovar de Lemos, antigo chefe do grupo n.º 2, há muitos anos ligado ao Escotismo, mas que ingressara na M.P. da qual era dirigente. A chefia regional de Lisboa foi confiada ao Engº Jorge Jardim, também dirigente da M.P.. Na chefia regional do Porto ficou Amâncio Salgueiro Jr.



Decreto-Lei n. 31908
Usando da faculdade conferida pela 2ª parte do n.º 2º do artigo 109º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1º - Todas as organizações, associações ou instituições que tenham por objecto a educação cívica, moral e física da juventude carecem, para se constituir e poder exercer actividade, de aprovação dos estatutos pelo comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Artigo 2º - As referidas organizações ficam sujeitas no exercício da sua actividade à direcção e fiscalização do comissário nacional da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, ao qual compete:
Sancionar a designação dos dirigentes superiores das organizações;
Autorizar a abertura e o funcionamento de quaisquer centros, grupos, núcleos ou delegações;
Aprovar todos os regulamentos e instruções aplicáveis às actividades educativas;
Pedir aos dirigentes todos os esclarecimentos que reputar necessários;
Destituir os dirigentes que tenham violado as disposições legais ou estatutárias, desobedecido às instruções recebidas ou não ofereçam garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado;
§ único. Das decisões do comissário nacional a que se refere o n.º 5 deste artigo cabe recurso para o Ministério da Educação Nacional.
Artigo 3º - As organizações a que se refere este decreto-lei têm o dever de cooperar com a Organização Nacional Mocidade Portuguesa na realização dos seus fins, e serão extintas por portaria do Ministro da Educação Nacional desde que, em inquérito, se prove que não estimulam nos seus afiliados o sentimento patriótico e o culto dos ideais do Estado Novo português.
Artigo 4º - As organizações, associações e instituições existentes à data da publicação do presente decreto-lei que se proponham, por qualquer forma promover a educação cívica, moral e física da juventude portuguesa deverão no prazo de trinta dias requerer ao comissário nacional da Mocidade Portuguesa a aprovação dos seus estatutos e a sanção para os seus corpos gerentes.
§ único. Na falta de requerimento dentro do prazo legal, considerar-se-ão as organizações extintas e serão arrolados os seus bens, que reverterão para a Organização Nacional Mocidade Portuguesa.
Artigo 5º - Fica revogada a legislação especial referente à Organização Escotista de Portugal, Associação dos Escoteiros de Portugal e Corpo Nacional de Escutas.
Publique e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 9 de Março de 1942
António Óscar de Fragoso Carmona
António de Oliveira Salazar, etc.


Os novos dirigente associativos entenderam conveniente que a Direcção e os chefes dos grupos de Lisboa fossem apresentar cumprimentos a Marcelo Caetano, que os recebeu afavelmente, afirmando a sua admiração pelo Escotismo e reconheceu que “na sua opinião não se tinha até então criado qualquer movimento de formação da mocidade, que não tivesse aproveitado alguma coisa das ideias do fundador do Escotismo”.

Acrescentaríamos nós que só foi pena que nunca chegassem a apreender o verdadeiro sentido de tais “ideias”, situando-se sempre longe dos verdadeiros ideais que caracterizam a extraordinária obra de B.P.

Marcelo, na sua convicção sectária, fazia efectivamente uma ideia errada do Escotismo, achando que “fomentava o individualismo e este
constituía um defeito da gente portuguesa, pelo que não devia ser aplicado”.


Fazia, assim, por ignorar os ensinamentos do Curso de Chefes que frequentara em 1922, onde teria aprendido a diferença entre Escotismo, que desenvolve a personalidade do jovem e as organizações de massas que procuram anular o indivíduo.

Ao terminar a reunião, Marcelo não deixou de insistir com os dirigentes para ingressarem na Mocidade Portuguesa, convite que continuou a
encontrar resistência em grande parte dos chefes dos grupos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Da nossa história…(12)

NUVENS NEGRAS NO HORIZONTE ESCOTEIRO (apoiada na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro)

E não só no horizonte escoteiro, mas sobre a Europa e sobre o mundo. Em 1933 Hitler subira ao poder na Alemanha e transformou completamente o clima político da Europa e os acontecimentos políticos tiveram imediato reflexo no desenvolvimento do Escotismo.

O movimento iniciado por Baden-Powell em 1907, na Inglaterra, espalhara-se rapidamente a todo o mundo, conquistando a juventude, sem que isso fizesse parte de um plano. O Escotismo é uma obra de educação, que forma a personalidade do rapaz, cultiva o espírito de serviço, a liberdade do indivíduo e, através do sistema de patrulhas, treina o espírito democrático.

Hitler não podia gostar de um movimento de juventude, aceite em todo o mundo, que cultivava a paz e fomentava a amizade entre os jovens de todas as raças e nacionali-dades.

O Escotismo foi, portanto, banido e ferozmente perseguido na Alemanha. O mesmo sucedeu na Itália e, mais tarde, na Espanha. Em sua substituição foram criadas organizações políticas que preconizavam a preparação militar dos jovens, aproveitando do Escotismo o seu processo mobilizador e tudo que era exterior para aliciar os mais novos, mas negando a doutrina e os ideais escoteiros, substituídos por slogans nacionalistas que visavam a alienação às ideias massificadoras, ao culto do racismo e do ódio às minorias étnicas.

Este clima político teria forçosamente de exercer influência em Portugal e o regímen que se vivia entre nós não tardou a identificar-se com os regimes totalitários da Alemanha e Itália.

Depressa a imprensa se fez eco de inflamada propaganda “patriótica” para a fundação da Mocidade Portuguesa e as adesões choveram, numa corrida oportunista às benesses que se anunciavam.

O Escotismo incomodava, pela seriedade do seu método, espírito de serviço e culto da fraternidade. E aqui começaram os ataques, com a grande acusação de que o Escotismo era internacionalista, em oposição ao nacionalismo fanático das organizações emergentes.

Cansaram-se os dirigentes escotistas a explicar que o nosso internacionalismo não prejudicava o nosso patriotismo, que a amizade para com os escoteiros de outros países e o respeito para com as outras pátrias não diminuía o amor para com a nossa pátria. Tudo inútil.

Passou-se então a viver um período difícil, até porque alguns dos nossos dirigentes se deixaram seduzir pelos importantes postos que lhes eram oferecidos nas duas novas organizações pré-militar (Mocidade Portuguesa) e paramilitar (Legião Portuguesa), ganhando as boas graças de Carneiro Pacheco, o intolerante ministro da Instrução Pública, o dinamizador daquelas organizações do Estado Novo. Aqueles que resistiam eram pressionados e ameaçados, especialmente os que ocupavam lugares no funcionalismo público.

Carneiro Pacheco estava empenhado na iniciativa e tinha de a promover, mas era difícil dar-lhe forma sem partir de algo que já existisse.

Pressão sobre os dirigentes escotistas
Entre os elementos mais activos da AEP, nessa altura, contavam-se dois dirigentes que eram funcionários públicos, Antero Nobre e Rui Santos, o primeiro secretário- geral e o segundo chefe do Núcleo de Lisboa. O ministro resolveu agir e mandou o seu motorista com recado ao Instituto Nacional de Estatística para Antero Nobre: “o senhor ministro pede o favor de chegar lá”. Antero Nobre, surpreendido, pediu licença e dirigiu-se no carro do ministro ao seu gabinete. Na antecâmara, encontrou Rui Santos, igualmente chamado, que logo lhe disse que não sabia ao que ia.
Foi Antero Nobre o primeiro a ser recebido. “o senhor é o secretário-geral da Associação dos Escoteiros de Portugal?” Em face da resposta afirmativa, continuou: “Como sabe, está a organizar-se a Mocidade Portuguesa. Desejava que o senhor viesse trabalhar para a organização, porque o senhor terá na M.P. um posto de general. Trata-se de uma organização nacional e patriótica”.

Antero Nobre reconheceu o interesse da nova organização, mas terá replicado “que não precisaria do lugar de general, bastaria ser soldado. Mas que era secretário-geral da Associação dos Escoteiros de Portugal, era escoteiro, portanto, só poderia aceitar um posto de soldado se daí não resultasse prejuízo das funções que ali exercia…”.

O ministro foi peremptório: “ Isso é que não pode ser. O senhor tem que deixar a Associação e vem para cá…”.

Antero Nobre, com dignidade, manteve a sua firmeza e o ministro despediu-o, desagradado, convidando-o a deixar nota da sua residência.

Rui Santos seria depois recebido e certamente submetido às mesmas pressões, desconhecendo-se qual a atitude que então tomou, sendo certo que continuou como dirigente da AEP, mas a ser frequentemente solicitado pelo gabinete do ministro, conhecendo-se mais tarde a sua ligação à Mocidade Portuguesa.

Entretanto, foi projectada para 14 de Agosto de 1936 uma romagem nacional para comemorar o aniversário da batalha de Aljubarrota. Os Escoteiros de Portugal resolveram participar, dado o carácter patriótico da iniciativa, procurando fazer deslocar à Batalha escoteiros de todo o país. Diversas empresas puseram os seus carros e camionetas à disposição para o transporte dos rapazes, e empresas distribuidoras de gasolina ofereceram combustível para a deslocação. Estava, por isso, garantida uma boa participação.

Porém… O “Escotismo”, que se publicava nessa época, contava assim o facto: “Devia a romagem seguir para Aljubarrota num comboio automóvel composto por camionetas cedidas pelo comércio e indústria, mas a vinte e quatro horas da partida, quando tudo já estava organizado, surge inesperadamente a comunicação dos serviços de trânsito proibindo a circulação das camionetas de carga. O ESCOTEIRO SORRI E ASSOBIA NOS MOMENTOS DIFICEIS, o comando composto por velhos escoteiros reúne, estuda as possibilidades e, assim, o contingente segue dividido em duas colunas, uma com sete camionetas, sob o comando de Franklin de Oliveira, com cerca de 150 escoteiros e dirigentes, e outra em cami-nho de ferro, sob o comando de Rui Santos, com 250 esco-teiros e dirigentes”.O primeiro contingente pernoitou, em acampamento, no Parque Municipal de Alcobaça, seguindo manhã cedo para S. Jorge.

Aqui, formou-se o desfile com as diversas organizações, em que os escoteiros se incorporaram. O Governo estava completo, instalados num palanque, e os ministros levantaram-se a receber a saudação dos escoteiros, à excepção de Carneiro Pacheco.
O desfile seguiu até à Batalha.

O segundo contingente não conseguiu chegar a tempo de participar no desfile, pelo que se reuniu ali, junto ao Mosteiro. Com a delegação do CNE, também presente, concentraram-se na Batalha mais de 500 escoteiros, incluindo dois dirigentes e um escoteiro vindos do Porto, uma vez que só a partir de Lisboa fora possível organizar o contingente da AEP.

A presença do contingente dos Escoteiros de Portugal foi um êxito, que não foi agradável para aqueles que viam o Escotismo com antipatia e intolerância. E os nossos dirigentes tiveram de fazer um enorme esforço para prudentemente conterem os Caminheiros de responderem às provocações dos elementos do contingente da MP, idos do Norte, com as tais braçadeiras que os identificavam.

O capitão Afonso dos Santos, presidente da Comissão Executiva da AEP, em artigo de fundo no “Escotismo” de Dezembro de 1936, procurou, com demasiada benevolência, cativar as boas graças da MP, mas a tentativa foi inútil. A perseguição estava aberta.

Chegou depois uma proposta de integração dos Escoteiros de Portugal na Mocidade Portuguesa, trazida por Rui Santos. Numa reunião de escoteiros-chefes, realizada na Sede Central, a posição foi corajosa, intransigente e de grande aprumo moral. A proposta foi recusada.

Começa a perseguição aos grupos da A.E.P.
Passou algum tempo e Antero Nobre recebeu um telefonema de pessoa amiga que o prevenia de que se preparava um golpe para acusar determinados grupos de escoteiros de Lisboa de actuação de natureza política. Depois de muito instado, o informador revelou que a acusação vinha da própria polícia e, logo procurou saber quais eram os grupos visados, para se poderem tomar as necessárias providências. Um deles era o Grupo 7, do chefe José Rodrigues, figura ímpar de escoteiro exemplar, cuja sede era nessa altura na Rua Luciano Cordeiro. Antero Nobre era vizinho do SETE, que visitava assiduamente e sabia que nesse gru-po era impossível, parecendo-lhe que se procurava um pretexto para qualquer acção.

Algumas semanas mais tarde, o mesmo amigo voltou a avisar que estaria eminente uma intervenção da Polícia, em certos grupos, comentando: “a coisa está a tomar um certo vulto e posso acrescentar que o senhor ministro procura um pretexto para fechar os grupos”.

Antero Nobre chegou à conclusão que era preciso contactar a própria Polícia e conseguiu uma apresentação para o Inspector Superior da Polícia de Informação (anterior à PIDE), capitão José Catela, a quem deu garantias de que as acusações feitas aos grupos de escoteiros eram falsas. A Comissão Executiva da Associação era presidida pelo capitão Afonso dos Santos, chefe do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, que era o próprio professor Salazar, e todos os membros daquela Comissão eram pessoas sem ligações políticas. O director da Polícia, em face das declarações de Antero Nobre e com a confiança que lhe era dada pela apresentação, acabou por confidenciar “que era uma mania do senhor ministro. O que ele quer é fechar-vos os grupos. Precisa de um pretexto”. Ficou a promessa de que a AEP seria avisada se alguma coisa acontecesse que pudesse dar o pretexto que o ministro procurava.

Algum tempo depois, cumprindo o prometido, é o próprio capitão Catela que, numa sexta-feira, procura com urgência falar com Antero Nobre, então em Mafra a fazer o Curso de Oficiais Milicianos, para lhe dizer: “olhe que há ordem do ministro para na segunda-feira ir fechar e selar as por-tas das sedes dos grupos de escoteiros. Mexa-se! Mexa-se!”.

Conseguida uma licença do comando para se ausentar, de imediato Antero Nobre veio para Lisboa e, sem se lembrar do capitão Afonso dos Santos, presidente da Comissão Executiva, foi à Companhia dos Telefones expor o problema ao coronel Pope, sobrinho de Baden-Powell e grande amigo dos Escoteiros de Portugal, a quem afirmou “que o tinha procurado em primeiro lugar porque ele poderia tratar do assunto por vias que não eram acessíveis a outras pessoas”. O coronel compreendeu a gravidade do problema e prometeu que se ia empenhar no assunto.

Antero Nobre correu de seguida a informar o capitão Afonso dos Santos, inteirando-o do aviso que lhe chegara, da mesma fonte que antes contactara, e das diligências que já havia feito.

As diligências do coronel Pope deram o resultado previsto. Nesse mesmo sábado, o embaixador de Inglaterra fazia saber ao ministro da Educação Nacional que o governo de Sua Majestade veria com desagrado qualquer acção contra o movimento escoteiro português. Por outro lado, teria havido também diligências do capitão Afonso dos Santos. Resultado: o chefe do governo mandava suspender qualquer acção contra os grupos de escoteiros.

Quando Antero Nobre voltou a entrar em contacto com a Polícia, foi-lhe confirmado que sim, que estava suspensa a ordem.

Acampamento Regional de Benfica
Apesar de todas as dificuldades, de 31 de Agosto a 9 de Setembro de 1938, realizou-se um acampamento regional, que teve lugar na Quinta da Fonte, em Benfica. Foi uma actividade organizada pelo comissário geral, Franklin Oliveira, que lhe imprimiu um forte cunho técnico, bem ao gosto da rapaziada que viveu entusiasmada aquele evento, que veio a ficar conhecido como o «acampamento da quinta da formiga», pela quantidade de formigas que ali encontraram.

Estiveram presentes centenas de escoteiros de todo o País e os fogos de conselho constituíram excelentes momentos escotista.

Pelo número de escoteiros presentes, que vieram dos mais diferentes pontos do País, pela qualidade do programa e do trabalho realizado pelos presentes, também pelo seu significado em época tão difícil, foi esta actividade, mais tarde, classificada como Acampamento Nacional.

Conferência de Dirigentes
Durante o decorrer do acampamento de Benfica, decorreu uma Conferência Nacional de Dirigentes. Um tanto improvisada, devido à crise que se vivia na Associação e realizada com simplicidade numa tenda, esta Conferência serviu para eleger novos corpos directivos da AEP.

Para presidente da Associação, o dr. Francisco Cortez Pinto, um grande amigo da AEP; para presidente da Comissão Executiva, o dr. Alfredo Tovar de Lemos, um nome prestigioso do Escotismo. Para comissário-geral foi nomeado Franklin de Oliveira, um dirigente conhecedor do Escotismo, um verdadeiro técnico, mas a quem alguns punham certas reservas, devido ao seu temperamento e comportamentos anteriores.

A situação dos Escoteiros de Portugal era difícil. Muitos dirigentes se tinham ausentado. Alguns mesmo aderiram à Mocidade Portuguesa, em busca de prestígio, de dinheiro ou facilidades. Outros, por serem funcionários públicos, não tiveram outra opção.

Ficaram os corajosos, os autênticos escoteiros. O dr. Alfredo Tovar de Lemos tinha a confiança destes e confiava neles. O dr. Cortez Pinto era respeitado por todos.

O Escotismo continuaria!....