domingo, 26 de dezembro de 2010

Da nossa história…(10)

Nova crise associativa (apoiada na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro)

Chegados a 1930, os Escoteiros de Portugal estão de novo na iminência de grandes transformações. Após uma fase de grande desenvolvimento, em que se realizaram actividades importantes e se participou activamente em vários acontecimentos de carácter internacional, o entusiasmo dos dirigentes, que acompanhavam e aprendiam o que de melhor se fazia noutros países, levou a um certo frenesim na disputa das ideias e processos de orientação associativa, que naquele tempo se caracterizava pela excessiva centralização das decisões na figura do Comissário Nacional. Do salutar confronto de ideias, cedo se passou para azedas disputas e desagradáveis cisões.

Não é muito fértil a informação que podemos retirar das publicações escotistas da época sobre os motivos dessas disputas, dada a formação cívica e escotista da maioria dos dirigentes e a sua preocupação em servir a AEP, que todos afirmavam estar acima das suas divisões. Nem mesmo o conceituado “Sempre Pronto”, aparecido em Janeiro de 1945, se ocupou alguma vez em aprofundar a história daquele período associativo, não obstante a proximidade temporal que lhe permitiria obter testemunhos directos dos intervenientes e com eles conseguir uma análise exacta dos acontecimentos, o que hoje lamentamos, tal como o desaparecimento dos arqui-vos dos Serviços Centrais.

Como único sinal do diferendo, talvez mais efeito do que causa, terá ficado a publicação simultânea de dois jornais – “O Escoteiro” e “Escotismo” - ambos se afirmando defensores das causas associativas, mas onde se liam comentários reveladores das discordâncias existentes.

A polémica agravou-se com a publicação, em 5 de Abril de 1930, de uma Ordem de Serviço do Comissário Nacional, com a aplicação de severos castigos a diversos dirigentes com larga folha de serviços e reconhecido prestígio, que reagiram pondo em causa a orientação associativa.

Estava instalada a crise. Tanto “O Escoteiro” como o “Escotismo” suspenderam a publicação com os números de Dezembro, não sem que este avançasse com a proposta de um candidato à Presidência da AEP, apontando a figura prestigiada do dr. João de Barros, afirmando tratar-se de uma deliberação tomada pelos Grupos de Lisboa, com vista ao “dia em que se verificar a mudança da actual situação associativa, desdobrando-se, como é mister, o cargo de comissário nacional”, batendo-se pela realização de uma Conferência Nacional.

Porém, a crise que a AEP atravessava provocou, como acontece por vezes nestas circunstâncias, a aproximação de antigos e prestigiosos dirigentes, que procuraram restabelecer a harmonia e resolver os problemas associativos.

A Conferência Nacional veio a realizar-se em Dezembro de 1931, convocada por livre iniciativa da Direcção Central, dando satisfação aos anseios da maioria dos dirigentes e decorreu em ambiente de respeito e fraternidade, alheia ao recente conflito, aprovando o novo Estatuto, que foi depois homologado pelo Decreto nº. 21397, de 23 de Junho de 1932, operando a desejada mudança na estrutura associativa.

Pena foi que todo o conflito desenvolvido tivesse levado ao afastamento do dr. Alfredo Tovar de Lemos, dirigente de elevado prestígio que prestara relevantes serviços nos dez anos que estivera à frente dos Escoteiros de Portugal. A sua carta de demissão de comissário nacional, “por discordar de quanto se fez na Conferência de Dirigentes, pela sua imutabilidade e inoportunidade”, constava do expediente da reunião de 25 de Janeiro de 1932 da nova Comissão Executiva, presidida por Fausto Salazar Leite, que resolvera manter nas suas funções o secretário geral Albano da Silva e o comissário das Relações Internacionais Sigvald Wiborg. Foi ainda resolvido não prover o cargo de comissário nacional e convidar o dr. Sá Oliveira, comandante Álvaro Melo Machado, capitão Azinhais Mendes, Roberto Moreton, dr. Gomes dos Santos e dr. Valentim Lourenço, para tomarem parte nas sessões da Direcção Central, dando o seu parecer nos assuntos importantes. Mais tarde, foram convidados a integrar esta comissão de notáveis, o dr. João de Barros e o engº. Teixeira de Vasconcelos.

Após a remodelação ditada pela Conferência de Dirigentes, a AEP entrou de novo num período de estabilidade, que deu lugar a um novo surto de desenvolvimento. Mas o principal resultado da Conferência foi a transformação profunda das estruturas associativas, que constituía o objectivo dos dirigentes em oposição à antiga Direcção Central. Além da já citada Comissão Executiva, eram os seguintes os órgãos dirigentes da AEP:

a) Conferência de Dirigentes, constituída principalmente pelos representantes dos grupos de escoteiros e representantes de instituições de antigos escoteiros para estudo e propaganda do Escotismo (FAEP), na qual residia a soberania associativa.

b) Comissão Permanente da Conferência de Dirigentes, nos intervalos das sessões desta, competindo-lhe servir de organismo de recurso das decisões da Comissão Executiva ou seus representantes; promover a constituição de Tribunais de Honra; desempenhar funções de organismo consultivo a que a Comissão Executiva poderia recorrer; fiscalizar as contas; discutir e votar o Regulamento Geral, dentro das normas orientadoras que a Conferência Nacional aprovasse.

A Associação dos Escoteiros de Portugal entrou, assim, numa estrutura democrática que veio, no futuro, evitar problemas como aquele de que o Movimento acabara de
sair.



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