sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Da nossa história… (4)

A FUNDAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS ESCOTEIROS DE PORTUGAL (apoiada na História dos Escoteiros de Portugal - de Eduardo Ribeiro)


Foi a 6 de Setembro de 1913 que veio a organizar-se formalmente a Associação dos Escoteiros de Portugal, por convergência dos dirigentes dos três Grupos que vieram a tomar os n.ºs 1, 2 e 3.
Mas já em 18 de Setembro de 1912, no jornal O SÉCULO, Melo Machado fazia apelo a que fosse constituída uma entidade para dirigir colectivamente o movimento, o que reconhecia ser uma necessidade imperiosa.
Todavia, parece que terá sido a visita a Lisboa, na primavera de 1913, dos escoteiros ingleses da Cidade de Hastings, com o seu vistoso desfile pelas ruas da cidade e as inúmeras festas em que participaram, proporcionando entusiástica cobertura jornalística ao jornal O SECULO - que na época acompanhava com muito interesse o despontar do movimento “scouting” no nosso País - que despoletaram o interesse publico e levaram os dirigentes dos três primeiros Grupos de Lisboa a reconhecerem que era chegado o momento de se constituírem em associação e iniciaram conversações para esse efeito.
A proveitosa visita a Lisboa dos escoteiros de Hastings deveu-se a um entusiástico movimento de solidariedade que irrompeu dentro do 1.º Grupo, quando Lisboa tomou conhecimento do naufrágio de um barco português no Canal da Mancha, frente à cidade de Hastings, tendo-se distinguido no salvamento de parte da tripulação o grupo de “scouts” daquela cidade. A convite do UM e com o apoio da colónia inglesa, que suportou as despesas, os bravos “scouts” ingleses estiveram dez dias em Lisboa e a sua visita constituiu a melhor propaganda que se poderia ter feito para o Escotismo Português.

A Direcção da AEP foi constituída pelo dr. António Joaquim Sá Oliveira, presidente; Roberto Moreton, secretário; Álvaro de Melo Machado, escoteiro chefe geral.
Sabe-se que quando se fundou a AEP já existiam outros grupos de “scouts”, além dos três que a constituíram. Frank Giles, em entrevista a O SÉCULO, em 20 de Agosto de 1912, afirmava que em Coimbra e no Porto existiam também scouts, com os quais mantinha activa correspondência. Mas mesmo em Lisboa já existiriam outras unidades. Entre estas contava-se o Grupo n.º 7, fundado em 20 de Maio de 1913, na Igreja Congregacional, por iniciativa de Abel dos Santos e Silva e Luciano Silva, elementos saídos do Grupo n.º 1.
Uma coisa é certa, os grupos n.ºs 1, 2 e 3 foram os fundadores da A.E.P. e constituíram o núcleo de onde irradiou o Movimento que, a partir dessa data, registou franco desenvolvimento por todo o País e, mais tarde, pelas colónias portuguesas do ultramar.
Até à fundação da AEP os jovens que pertenciam ao Movimento eram designados pelo termo inglês “scout” e o pró-prio movimento por “scouting”. Mas, desde logo, os dirigen-tes associativos fizeram questão de adoptar um vocábulo genuinamente português: ESCOTEIRO, aquele que viaja sem bagagem nem alforge, gastando por escote nas estalagens (termo registado em dicionários portugueses desde o século XVII). Portanto, os fundadores da Associação não fizeram uma tradução da palavra “scout”, mas procuraram no nosso léxico um vocábulo português aplicável.

Também a adaptação da Promessa e da Lei, mereceram cuidadoso estudo dos fundadores, embora neste capítulo tenham existido sérias divergências, pois, enquanto uns pretendiam ver nelas contemplado o sentido universalista do Movimento, aberto a todos os credos e raças, outros entendiam dever manter-se o carácter religioso proposto por Baden-Powell para a Lei e Promessa dos scouts ingleses, afirmando que B.P. preconizava que “cada escoteiro deve ter uma religião” e que o Scouting for Boys está eivado de sentimento religioso como princípio fundamental do Escotismo. O ponto essencial é que todos adorem DEUS, ainda que de diversas maneiras.
Não admira pois que tais divergências provocassem desde logo alguns conflitos e acusações mútuas de desvirtuamento dos ideais, sendo frequente observar diferentes versões da Lei e da Promessa, consoante o pensamento filosófico ou a orientação religiosa dos dirigentes.
Também a dureza de algumas expressões, de conceito militarista bem ao sabor da época, como “Juramento do Escoteiro”, em vez de “Promessa Escoteira”, ou “Compro-misso de Honra”, em lugar de “Compromisso do Escoteiro”, como imporia a tradução do inglês, não ajudaram à desejável harmonia de procedimentos, alguns insanáveis até aos nossos dias.

O RECONHECIMENTO PELO GOVERNO DA REPÚBLICA
Não podemos, portanto, afirmar que a implantação do Escotismo em Portugal tenha sido um processo fácil, dadas as muitas querelas que surgiam a nível interno, devido às diferenças de interpretação dos seus dirigentes. Todavia, ao nível externo, graças ao comportamento cívico dos escoteiros, o Escotismo ia adquirindo enorme prestígio e o bom acolhimento por parte da população e entidades oficiais.
Foi assim que, em Junho de 1916, surge o reconhecimento oficial. O Presidente da República, dr. Bernardino Machado, aceita a Presidência honorária da AEP, situação que se man-teria nas magistraturas republicanas seguintes, passando os anteriores presidentes a vice-presidentes honorários.
Em Maio de 1917, o Governo aprovou o Regulamento da Associação dos Escoteiros de Portugal, através do Decreto n. 3120 – B, cujo texto inicial afirma: “Considerando que o Escotismo é uma escola de formação de carácter e um meio valioso de preparar a mocidade para o desempenho dos seus deveres para com a Pátria e para com a Humanidade, como tem sido provado nos países em que essa instituição se tem desenvolvido…”
E logo o artigo 3.º consigna: “Em virtude do determinado no n.º 3 do artigo 15.º do regulamento, é esta associação considerada de benemerência e de beneficência para os efeitos de contribuições, impostos e franquia postal”.

A HISTÓRIA DOS GRUPOS
Apesar das assinaladas divergências, o Escotismo expandia-se e novos grupos se associavam na AEP, seguindo as suas actividades e a sua orientação.
Em 1915 já existiam 22 Grupos inscritos na AEP. Não se referem algumas dessas unidades por falta de elementos históricos. Mas é importante destacar algumas outras cuja actividade contribuiu para o prestígio alcançado pela AEP. Para além dos três já referidos, e pela ordem porque ficaram registados após a sua adesão à Associação dos Escoteiros de Portugal, seguem, resumidamente, alguns elementos de tais grupos:
Grupo n.º 4, fundado em Torres Vedras, no Instituto Poli-técnico, já existia em 1915, sendo seu escoteiro chefe Vítor Cesário da Fonseca. Tanto o Grupo como o Instituto Politécnico foram extintos em 1919, em consequência da gripe pneumónica. Em 1925 voltou a existir em Torres Vedras outro Grupo de escoteiros, o n.º 50, onde foram instrutores Joaquim Paulino Pereira e Augusto Nascimento Gonçalves
Grupo n.º 5, fundado na Escola Normal, no Calvário, em Lisboa. Consta que a sua fundação data dos primeiros tempos do movimento e foi seu escoteiro chefe António Pereira Coimbra, mas veio a ter curta duração. A Ordem de Serviço n.º 44, de 13 de Setembro de 1916 considera-o extinto por falta de escoteiro chefe e manda que seja integrado no Grupo n.º 9.
Grupo n.º 6, quando o Grupo n.º 2, por força do seu desenvolvimento, abandona as suas instalações na Rua da Esperança, para se instalar na Academia de Estudos Livres, foi forçado pela AEP a tomar o número SEIS, devido ao compromisso assumido com a Sociedade de Instrução Militar Preparatória, que quis manter reservado o n.º 2 no intuito de vir a organizar nova unidade, o que nunca chegou a concretizar-se. Em 1915 o “dois” retomou o seu número e o Grupo n.º 6 ficou sem história, até que foi retomado por uma nova unidade fundada em Olhão, na sequência de uma luzidia demonstração, realizada a 7 de Janeiro de 1925 por uma delegação do Grupo n.º 1, naquela Vila. O seu primeiro escoteiro chefe foi Humberto Martins, que também foi o introdutor do basquetebol no Algarve.
Grupo n.º 7, fundado em 20 de Maio de 1913, surge na União Cristã de Jovens da Igreja Congregacional, em Lisboa, por iniciativa de Abel dos Santos Silva e Luciano Silva, que abandonaram a UCML e, consequentemente, o Primeiro Grupo de que faziam parte, assumindo Luciano Silva a chefia do grupo. José Rodrigues, aderente entu-siasta desde a primeira hora, veio mais tarde a assumir a chefia, que deteve por muitos anos.
Grupo n.º 8, pouco se conhece sobre a existência do Grupo inicialmente inscrito na Associação com este número, sabendo-se apenas que foi em Faro, pelo que é suposto tratar-se da unidade de scouts criada por Amâncio Salgueiro Jr., que este reivindicava existir antes do grupo de Macau. Em Julho de 1916 era desligado da AEP, por razões ignoradas. O número OITO veio a ser utilizado por um grupo criado em Maio de 1952, na Igreja Evangélica Presbiteriana, situada na Rua Febo Moniz, em Lisboa, onde ainda se encontra, sendo seu primeiro escoteiro chefe Albano Costa, antigo escoteiro do Grupo n. 94.
Grupo n.º 9, fundado em 1914, por alguns escoteiros do grupo n.º 2, que viviam demasiado longe da sua sede na Esperança. Solicitaram à AEP a criação de uma nova unidade, que foi confiada a Joaquim Duarte Borrego, em casa de quem ficou inicialmente instalada a sede do Grupo, que foi depois para a Rua da Madalena, 91 e, mais tarde, para a Rua de Santa Marta, 204. Em Novembro de 1926 o Grupo foi acolhido no Ateneu Comercial de Lisboa, presti-giosa instituição que sempre ofereceu aos escoteiros todo o seu apoio. Quando em 1917, Joaquim Duarte Borrego foi chamado ao serviço militar e partiu para a guerra, em França, tomou o seu lugar na chefia João Clímaco do Nas-cimento, que dirigiu o grupo com êxito durante muitos anos.
Grupo n.º 10, fundado por Álvaro Melo Machado, na cidade de Lourenço Marques (hoje Maputo), pouco depois da sua chegada a Moçambique, onde chegara em Agosto de 1914, em cumprimento de missão militar. Depois do regresso de Melo Machado, a chefia do grupo ficou entregue a Vital dos Reis Barbosa.
Grupo n.º 11, a data provável da sua fundação no Liceu de Camões terá sido em 11 de Dezembro de 1915, em que teve lugar uma festa de “cerimónia de juramento”, para a qual foram convidados os outros grupos de escoteiros de Lisboa, na qual o presidente do grupo e Reitor do Liceu fez uma conferência sobre educação.
O seu primeiro escoteiro chefe foi António Coucelo.
Esta unidade foi um alfobre de escoteiros, que vieram a desempenhar importantes cargos dirigentes nos Escoteiros de Portugal e se projectaram na vida social em elevadas posições. Bastará enunciar alguns dos seus nomes: Dinis Curson, Mário da Silva Jacquet, Alberto e Edmundo Lima Bastos, Paulo e Henrique de Barros, Francisco Caldas, Marcelo Caetano, Fausto Salazar Leite, José Maria Galvão Teles.
Dos restantes Grupos, constantes do registo de 1915, conhecem-se apenas os seguintes elementos, já que, por razões inexplicáveis, os arquivos associativos terão desaparecido, supõe-se que entre os anos trinta e quarenta do século passado.
Grupo n.º 12, existente no Liceu de Passos Manuel, em Lisboa. O actual Grupo do mesmo número, teve o seu início já nos anos 50.
Grupo n.º 13, localizado na Vivenda Alvarez, LA, na Ama-dora. Anos mais tarde, retomou a sua actividade instalado na Sociedade de Geografia, em Lisboa.
Grupo n.º 14, Rua da Junqueira, em Lisboa. Em Janeiro de 1916 instalou-se no Liceu de Gil Vicente, em Lisboa.
O mesmo número foi retomado, já na década de 50, por uma unidade instalada em Algés.
Grupo n.º 15, com a sua primeira instalação nas Esca-dinhas da Saúde, passando em Janeiro de 1916 para o Bairro do Século, Porta 2, em Lisboa. O mesmo número foi atribuído, mais tarde a uma unidade criada no Porto.
Grupo n.º 16, situado na Rua da Bela Vista à Lapa, em Lisboa, passando anos mais tarde para o Colégio inglês, em Carcavelos. Continua existindo naquela Vila, com actividade digna de nota.
Grupo n.º 17, existiu no Palácio Mancelos, no Pátio do Tijolo, em Lisboa. O número foi retomado por uma unidade instalada no Porto.
Grupo n.º 18, existiu no Colégio dos Órfãos de S. Caetano, em Braga.
Grupo n.º 19, instalado na Rua da Bombarda, em Santarém. Também na década de 50, apareceu nova unidade com este número, que continua existindo na Pontinha.
Grupo n.º 20, existiu em Aldegalega, Montijo.
Grupo n.º 21, estava instalado na Vila Bastos, 3 e passou em Janeiro de 1916 para a Trav. do Teixeira, em Lisboa.
Grupo n.º 22, existiu na Av. Elias Garcia, em Lisboa.
Grupo n.º 23, instalado na Rua Vieira da Silva, 80, em Lisboa. O actual 23 está instalado em Queluz

Não fica claro que a numeração atribuída aos Grupos corresponda à ordem da sua filiação na A.E.P., pois parece ter existido desde sempre o lamentável critério de atribuir a uma nova unidade o mesmo número de outra unidade entretanto encerrada, o que estabelece grande confusão para uma clarificação da história dos grupos.
Seria desejável que cada grupo em actividade, registasse a sua própria história, dedicando-se, outrossim, à pesquisa e divulgação da história da unidade ou unidades que o precederam. Ninguém duvidará da enorme importância que tal estudo terá para a História do Escotismo em Portugal, que um dia gostaríamos de ver publicada.

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